Análises

A realidade mágica de quando Supay caminhava pela praia

Pegadas fósseis no alto dos Andes são testemunhas de como praias viram montanhas e do quanto falta a descobrir sobre a história da vida.

Fabio Olmos ·
17 de setembro de 2012 · 12 anos atrás
As pegadas de um grande dinossauro carnívoro apelidado de supaysaurus no corte da estrada entre Conocochas e Antamina, em Ancash, Peru. Foto: Fabio Olmos.

A arte dos geólogos de fazerem as rochas contarem suas histórias sempre me fascinou. Quanto mais se conhece, mais se vê. Rochas contam em que ambiente se formaram, seja no interior de um vulcão ou no fundo de um lago, e também nos informam sua idade graças ao decaimento de elementos radioativos, o mesmo princípio que faz reatores nucleares funcionarem. E muitas vezes contém vestígios das formas de vida que ali viviam quando o arenito era só areia e o xisto e o calcário eram só lama.

Estas histórias impressas em rocha são fundamentais para compreender a história da vida. Elas mudaram nossa própria compreensão da existência, como a famosa descontinuidade de Siccar Point, fundamental para a descoberta do “tempo profundo” e da real antiguidade da Terra (4,54 bilhões de anos).


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Quando o Beagle começou sua viagem, Darwin leu o Princípios de Geologia, de Charles Lyell, que propunha a ideia revolucionária de que terremotos e outros processos vistos hoje também ocorreram no passado, e alteraram a geologia da paisagem ao longo do tempo da mesma forma que alteram hoje.

Ao visitar Puente del Inca, no Monte Aconcágua, em 1834, Darwin encontrou fósseis de moluscos marinhos a 4.300 m de altitude, concluindo que as rochas da montanha que pisava haviam se formado a partir de sedimentos depositados no fundo do mar, algo que o impressionou.

Outras características dessa região também sugeriram vários processos geológicos, incluindo o fato das montanhas dos Andes ainda estarem se erguendo. Isto foi dramaticamente comprovado quando Darwin observou os resultados de um tremendo terremoto no Chile, que em 20 de fevereiro de 1835 elevou a linha da costa em até 3 m (o mesmo aconteceu no terremoto que causou o tsunami de 2004).

Sabemos hoje que isso é resultado da colisão entre as placas tectônicas – uma das quais corresponde ao nosso continente – que lentamente navegam sobre o manto derretido da Terra  batendo umas nas outras, unindo-se e separando-se.

Sendo a Terra antiga e mutável – e não uma criação recente e pronta – novos habitats se formam e Darwin intuiu que seres vivos deveriam se adaptar a estas mudanças. Óbvia hoje, essa conclusão foi um avanço em um período em que se acreditava que a Terra havia sido criada pronta e acabada há menos de 5 mil anos.

Poderoso primo andino dos Rex

Montanhas podem ser livros que contam momentos da história da vida e os Andes são ricos em histórias. Não são apenas moluscos que viviam no fundo do mar que, milhões de anos depois, estão a milhares de metros de altitude graças ao contínuo soerguimento dos Andes. Há muito mais para se ver.

Em um corte feito durante a construção da estrada que liga Conococha a Antamina, em Ancash (Peru), pode ser apreciado um incrível souvenir da era dos dinossauros. Esta área não é tão distante da famosa Huaraz, portal para quem explora a Cordillera Blanca e o Parque Nacional Huascarán.

Quando a estrada foi construída cortando várias camadas de rochas sedimentares dispostas em camadas quase verticais, a retirada de uma camada revelou um conjunto de pegadas gigantescas. Na realidade, os contra-moldes de 5 pegadas gigantescas.

Há cerca de 120 milhões de anos, um dinossauro carnívoro do grupo conhecido como Theropoda – que inclui o Tyranossaurus rex -, caminhou muito lentamente sobre a terra molhada em uma planície inundável junto a uma antiga linha costeira. As pegadas devem ter permanecido por algum tempo e a terra secado um pouco antes de uma inundação tê-las preenchido e recoberto com uma nova camada de sedimentos, que as preservou e criou os contra-moldes que vemos hoje.

Sabemos que o bicho não tinha pressa, porque a distância entre as pegadas é pequena para seu tamanho. Sabemos também que pegadas desse tamanho (81 x 62 cm) não foram feitas por qualquer terópodo conhecido. A conclusão é que há fósseis impressionantes, esperando ser descobertos, de um bicho no mínimo comparável ao rex . O tamanho que ele deveria ter pode ser avaliado quando se compara as pegadas com uma pessoa como eu e não é surpresa que o autor das pegadas tenha sido apelidado de “supaysauro” (supay é o deus da morte e das trevas na mitologia inca).

O dinossauro desconhecido compartilhava seu habitat com pelo menos outros 12 tipos de dinossauros que deixaram seus fósseis e pegadas na mesma área, assim como ictiossauros, aves, mamíferos, crocodilomorfos e outros que ainda estão sendo estudados. Uma janela para um ecossistema inteiro está se abrindo conforme escavações são feitas e as rochas contam suas histórias.

Através de rochas e fósseis, anatomia e fisiologia comparadas e DNA, é fascinante como a natureza nos conta de forma direta a história da evolução da vida na Terra. A história escrita nas rochas, nos ossos e nas moléculas é mais fantástica e interessante do que o delírio das mitologias. A realidade é mágica.

O autor deste blog, Fabio Olmos é biólogo e doutor em zoologia. Tem um pendor pela ornitologia e gosto pela relação entre ecologia, economia e antropologia. Seu último livro, sobre ecossistemas brasileiros e conservação, é Espécies e Ecossistemas.

 

  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

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