A algumas horas do fim da 18a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, os nervos parecem ter se acalmado em algum sentido. Talvez seja por estarmos todos cansados e faltar agora muito pouco para voltarmos para casa. Ou pode ser apenas o silêncio que precede a tempestade. A atmosfera carregada do Centro de Conferência e a tensão pela qual os negociadores têm passado nos últimos dias provocou grandes emoções nesta quinta-feira (06).
Finalmente fomos recompensados por toda a exaustão de acompanhar as discussões da COP-18, muitas vezes varando madrugada. Tivemos o prazer de presenciar ontem o momento mais marcante dessa conferência, quando o negociador-chefe da delegação filipina, Naderev “Yeb” Saño, se comoveu ao fazer um apelo sincero e genuíno aos países por mais responsabilidade e ambição.
Ele foi aplaudido de pé e arrancou lágrimas de quem o assistia no plenário de fechamento dos trabalhos técnicos sobre o Protocolo de Kyoto. Jovens ativistas, nós o recebemos em fila e com mais aplausos na saída do plenário. Fomos retribuídos com um abraço solidário daquele que já representa um alento de esperança no mundo da diplomacia climática.
Yeb Saño pediu intensamente que os ministros tomem suas decisões com base na necessidade de sete bilhões de pessoas, não na vontade de alguns poucos políticos. “Eu peço a todos, por favor, sem mais atrasos, sem mais desculpas. Deixem que Doha seja lembrada como o lugar onde encontramos a vontade política para mudar as coisas. Por favor, deixem que 2012 seja lembrado como o ano em que o mundo teve coragem para assumir responsabilidades para o futuro que queremos. Peço a todos nós aqui reunidos. Se não nós, então quem? Se não aqui, então onde? Se não agora, então quando?”, discursou.
Enquanto os negociadores de mais de 190 países seguem trancados a quatro paredes tentando resolver – ou fingindo que resolvem –, os problemas dos efeitos do aquecimento global, pessoas de carne e osso morrem por conta de desastres ambientais cada vez mais frequentes e intensos. O furacão Bapho, que atingiu o sul das Filipinas nos últimos dias, já deixou seu rastro de destruição, causando a morte de cerca de 500 pessoas, o desaparecimento de mais 400 e deixando outros 250 mil desalojados.
Ao final da plenária, Yeb Saño confessou que a reação foi inesperada. “Não imaginei que ficaria emocionado dessa forma. Mas são muitos anos de frustração que eu simplesmente coloquei para fora agora. As tragédias que meu povo vive não são eventos isolados, nós experienciamos isso diariamente”, desabafou.
Hoje, os negociadores seguem trabalhando para fechar os detalhes finais dos textos. Questões como financiamento para países em desenvolvimento, equidade, ambição mitigação e adaptação continuam abertas. Dinheiro? Ninguém sabe, ninguém viu. Até agora, o único anúncio de investimento prático veio da Noruega, que decidiu liberar mais 178 milhões de dólares para colocar em prática projetos do Fundo Amazônia. Quanto ao Fundo Verde para o Clima, continua vazio. Já as populações, cheias de vergonha e decepção.
A expectativa é de que a conferência continue fim de semana adentro. E só devemos ter algum resultado concreto no último dia. Enquanto isso, tentamos nos manter fortes em nossas convicções de que ainda há muito o que fazer, e esse é o tempo e o espaço para isso. Não é muito, mas restam algumas preciosas horas para os ministros entregarem pelo menos bons encaminhamentos para o futuro. Tudo o que queremos é que não se percam os esforços conquistados ano após ano até agora.
Essa é supostamente a conferência da mudança. Espera-se a partir do ano que vem o início do debate sobre um novo instrumento, um acordo que visa englobar todos os países, um novo guia. Mas, antes disso, os países precisam honrar seus compromissos, já que a confiança é o pilar que sustenta todo o sistema.
*Nathália Clark foi editora de política de ((o))eco e está acompanhando, de Doha, a COP18 pelo Programa Adopt a Negotiator, da Global Campaign for Climate Action.
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