Reportagens

Arrume as malas, vá para a mata

Ainda pouco difundido no Brasil, o turismo em unidades de conservação pode ajudar a mantê-las. Mas é preciso melhorar a estrutura e o nível técnico de quem recebe os visitantes.

Felipe Lobo ·
25 de maio de 2009 · 15 anos atrás
Foto: Alvaro Barros
Foto: Alvaro Barros

Quando o calendário indica que um feriado prolongado ou recesso de final de ano baterão à porta, muitos brasileiros não pensam duas vezes: é o momento de arrumar as malas e partir rumo a um destino turístico. Na maioria dos casos, as praias país são os pontos de parada escolhidos e, como resultado, há engarrafamentos, acúmulo de lixo e poluição sonora. Enquanto isso, cerca de vinte milhões de hectares teoricamente bem preservados por parques nacionais permanecem com números de visitantes aquém do esperado. Ou pior, muito abaixo de seu potencial.

De acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, lei que definiu as categorias de áreas protegidas no Brasil, “o Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividade de educação (…) e de turismo ecológico”. Ao que parece, o governo ainda não conseguiu criar as condições necessárias para que esta última função se torne realidade.

Hoje, o país conta com 65 parques nacionais. Mas nem todos podem receber turistas, apesar do que exige a legislação. “Estudos revelam que menos de 30% estão abertos às visitas”, explica Roberto Mourão, fundador e presidente do Instituto EcoBrasil. É o caso, por exemplo, do Parque Nacional das Araucárias, criado em 2006 durante solenidade no Paraná para proteger ecossistemas ameaçados em Santa Catarina e que sequer tem um plano de manejo elaborado.

O principal impasse, no entanto, é que mesmo os parques bem montados sofrem com a baixa freqüência de turistas, inclusive na alta temporada. Os motivos relacionados por especialistas são muitos, mas podem ser reduzidos a um: falta de estrutura. As dificuldades, explica Mourão, começam com as dimensões continentais do Brasil.

Obstáculos ao turismo

Foto:Divulgação/Freeway
Foto:Divulgação/Freeway

“Turismo não é algo tangível, mas que se faz junto com o cliente. É preciso levá-lo até a área protegida. O Parque Nacional da Serra da Capivara (PI), por exemplo, é muito bem estruturado e lindo, mas poucos brasileiros foram lá. O acesso é muito difícil, deve-se pegar um vôo até Petrolina (PE) e, depois, andar cinco horas de carro em péssimas estradas no meio da Caatinga”, diz.

A dificuldade para chegar às unidades de conservação assusta os viajantes, tanto brasileiros quanto estrangeiros, mas não é a única culpada. Pedro da Cunha e Menezes, colunista d’O Eco e ex-diretor do Parque Nacional da Tijuca, acredita que a falta de um modelo de criação de grandes trilhas, bem sinalizadas e mantidas, e opções de lazer gratuito aliado aos desportos também é um grande vilão dos passeios em áreas naturais no país.

Mourão e Menezes concordam, porém, que estradas bem construídas e trilhas amplas não garantem o sucesso do turismo em parques nacionais. Antes disso, o pilar de sustentação dos visitantes precisa estar de pé: profissionais bem treinados para a administração e guias capazes de dominar os preceitos ecológicos dentro de cada unidade de conservação. “Temos uma grande carência de guias naturalistas, aqueles que sabem observar a natureza. Eles precisam, por exemplo, saber como surgiu o cânion da Chapada Diamantina, entender sobre geografia da paisagem”, afirma Mourão.

A Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta) tem opinião semelhante. Para Raquel Müller, coordenadora de Qualificação da entidade, é necessário que um plano de gestão da segurança seja elaborado em todas as unidades de conservação. “Ele deve envolver perigos e risco, e todos os gestores precisam ser bem treinados para acompanhar o trabalho de forma mais efetiva possível”, explica. Uma das alternativas para alcançar este objetivo é estabelecer contratos com empresas terceirizadas.

Exemplos de parques

Foto: Circuito Serra do Cipó
Foto: Circuito Serra do Cipó

Mais de 70% das visitas a parques nacionais no Brasil se limitam a apenas dois deles: Iguaçu (PR), onde estão as belas cataratas compartidas com a Argentina, e Tijuca (RJ), sede do famoso Corcovado. Mesmo assim, a maioria das pessoas que chega à imponente estátua do Cristo Redentor sequer sabe que ela está dentro de uma unidade de conservação.

“Iguaçu só está preparado para visitas de massa. Quem vai até lá vê apenas um vigésimo do parque. Já o da Tijuca ainda perde muito porque não tem política estruturada de cobrança e tampouco diversificação de serviços. E não é culpa do atual diretor (Ricardo Calmon), que é um cara ótimo”, afirma Pedro da Cunha e Menezes.

Para ele, a solução só virá quando existirem diferentes níveis de parque e graduações para seus chefes: quais cursos ele possui; o que deve fazer para subir na instituição e; principalmente, se existirá continuidade de políticas de governo após o outro. “O próprio Instituto Chico Mendes erra quando diz que Iguaçu tem mais visita do que Tijuca. Ele só computa quem paga para ver o Corcovado, não observa os outros dois milhões que vão para o outro lado”, conclui.  

Nenhum deles, porém, consegue viver apenas do turismo. Que o diga então o Parque Nacional de Brasília, movimentado graças a duas piscinas de água mineral em seu interior. E, assim como ocorre na Tijuca, quase ninguém sabe que elas estão inseridas em uma área protegida. Além disso, ao longo de seus trinta mil hectares, apenas duas pequenas trilhas (uma, na verdade, em trechos de estrada de terra) foram abertas para a observação de aves ou para caminhadas. 

Em Aparados da Serra, na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a Abeta criou o Grupo de Prevenção Aparados da Serra (Grupas). A principal meta da equipe, que conta com cerca de trinta voluntários, é prevenir acidentes relacionados ao Ecoturismo e Turismo de Aventura no parque. Segundo Raquel Müller, trata-se de uma boa ferramenta para fomentar o ingresso de brasileiros e estrangeiros. “Nós podemos fazer diagnósticos e ajudar no planejamento dentro de unidades de conservação”, destaca.

Exemplo que vem de fora

Foto: Macuco Safari
Foto: Macuco Safari

Apesar de constar como uma importante fonte de renda para parques nacionais, o turismo quase nunca supera os gastos mensais de uma unidade, salvo raras exceções. Esses recursos extras podem sair, por exemplo, de pagamentos por serviços ambientais ou pela permissão de fiações elétricas dentro das áreas. “O sistema vai além do turismo, é também repositório de bancos genéticos, capaz de gerar produtos farmacêuticos etc”, explica Menezes, para depois dizer que parques como o da Tijuca ou Iguaçu têm potencial para arcar com seus custos mensais sem precisar de injeções de externas capital.

Mas há casos em que o turismo faz a diferença, no exterior, é claro. Na África do Sul, a atividade sustenta 80% de todas as contas de uma unidade de conservação. Só o Kruger Park, um dos mais conhecidos, é capaz de se manter e também ajudar outras zonas protegidas no entorno. “É o efeito guarda-chuva, que poderia ser usado aqui no Brasil também”, diz Mourão. 

Já no Quênia, um exemplo de zelo com a natureza, os visitantes zeram os custos das áreas protegidas. Realidade bem distante, por exemplo, do Parque Nacional dos Veadeiros (GO). Lá, os vinte mil turistas anuais geram cerca de 60 mil reais em receita. Os custos estimados para a manutenção da área são mais de dez vezes superiores.

O parque mais antigo do país, em Itatiaia, também recebe turistas em número menor do que poderia, apesar das boas condições. Por isso, Daniel Toffoli, membro da Câmara Técnica de Montanhismo e Ecoturismo da unidade, lidera a reabertura de travessias e trilhas desde 2006 para os esportistas. “Na década de 1960, o governo militar fechou todos os abrigos de montanha do Parque da Serra dos Órgãos (RJ). Em Itatiaia, eles começaram a ser abandonados a partir da década de 40 e o volume de visitas caiu muito, com curva acentuada nos últimos vinte anos. Agora, conseguimos reabrir vários caminhos e criamos regras de segurança. Graças a isso e à revitalização do centro de visitantes, o turismo cresceu 20% desde 2007”, conta.

Como se vê, é possível tornar as áreas naturais um destino para muitos mais brasileiros. Belezas cênicas e contato direto com a natureza selvagem há de sobra. O que falta é infra-estrutura dentro e no entorno das unidades, assim como técnicos e guias especializados, obrigatórios apenas em casos ou para públicos específicos. Além, é claro, de boas doses de propaganda.

O resumo da história fica por conta de Brett Myrdall, diretor do Parque Nacional da Montanha da Mesa, o mais famoso da África do Sul. “Eu sou primeiramente um operador turístico. Se for bem sucedido nesta operação, tenho os recursos e o apoio político necessários para conseguir manter a biodiversidade no meu parque. O resto é ilusão”.

* a foto de abertura desta reportagem é de Ion Trindade e mostra turistas percorrendo um belo trecho de Cerrado na Chapada dos Veadeiros, em Goiás.

Atalhos:

www.abeta.com.br
www.ecobrasil.org.br
Parque Nacional da Montanha da Mesa, África do Sul

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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