Reportagens

Na pegada esquecida dos Ciganos

No setor mais desconhecido do Parque Nacional da Tijuca, a natureza vigia quieta os corajosos que ousam desbravar a trilha dos Ciganos.

Duda Menegassi ·
2 de janeiro de 2013 · 11 anos atrás
O assoreamento na Represa dos Ciganos evidencia o descaso. Foto: Duda Menegassi
O assoreamento na Represa dos Ciganos evidencia o descaso. Foto: Duda Menegassi

O setor D do Parque Nacional da Tijuca é o menos conhecido e explorado para visitação. É nessa área denominada “Covancas / Pretos Forros” que está a Represa dos Ciganos, local de partida para a trilha que leva até o Bom Retiro (de volta ao setor A). A entrada desse trecho é próxima ao Hospital Cardoso Fontes, na Avenida Menezes Cortes. O portão de acesso escondido reforça a frase de um dos funcionários da ICMBio “Só faz essa trilha quem conhece”.

De fato, o estado da trilha não é convidativo, só quem sabe das preciosidades que vai encontrar ao se embrenhar na mata sabe que vale a pena. Porém é preciso precaução antes de simplesmente decidir fazê-la. O caminho tem trechos que não são bem marcados e é comum pessoas se perderem ao tentarem fazer a trilha sem GPS ou a companhia de alguém que a conheça. Ainda há muito trabalho a ser feito pela equipe do PNT para poder abrir esse trecho oficialmente para ampla visitação.

A Represa dos Ciganos é, na verdade, um antigo reservatório da CEDAE, construído em 1906 e que hoje abastece apenas o hospital próximo. Devido ao seu pouco uso e ao abandono da área pela CEDAE, moradores da comunidade se banham no próprio reservatório de água sem serem incomodados, como se fosse uma piscina, o que gera riscos à saúde pública.

Está prevista a construção de duas guaritas pelo Parque Nacional da Tijuca nessa região do Pretos Forros, onde hoje existe apenas um sentinela, no portão, que utiliza uma velha guarita da CEDAE. Uma próxima ao hospital e outra ao lado da represa.

João Felipe Martins, analista ambiental do ICMBio, enaltece a importância da Transcarioca nesse trecho: “Acho muito legal a Transcarioca passar por ali porque isso vai acelerar a recuperação do local, que está bastante degradado. Abrir uma trilha para uso público contribui para preservação e não o contrário.”

A trilha começa de fato ao lado da Represa dos Ciganos e é por dentro da mata fechada, que dá o tom de todo o percurso, que é fácil perceber porque as pessoas se perdem por ali (inclusive, há o Vale dos Perdidos, em homenagem aos desorientados). As chuvas “apagam” caminhos e há diversas bifurcações, geradas pela abertura de caminhos diferentes, consequência da ausência de uma via principal bem marcada.

A trilha acompanha o rio das Pacas e são várias as cascatas que se insinuam às lentes fotográficas da minha câmera. A principal delas é acessível a partir de cerca de 40 minutos de trilha e é um ponto propício para se hidratar e refrescar o corpo que, apesar do sombreado protetor da floresta quase intocada, sofre com o calor. Nesse trecho conhecido como Lajeado, é preciso cruzar o curso de água e todo o cuidado é pouco para não escorregar na rocha úmida e descer junto com o rio. Entre os funcionários do ICMBio é consenso a necessidade da construção de uma pequena ponte que una as margens, para evitar acidentes quando a trilha for aberta à visitação.

Pequena diante do gigante Jequitibá. Foto: Duda Menegassi
Pequena diante do gigante Jequitibá. Foto: Duda Menegassi

Uma curiosidade ao longo do caminho é perceber a herança desta terra tão pouco explorada depois do fim do ciclo colonial de engenhos e monoculturas. Pés de café ainda resistem, além de árvores frutíferas, como mangueiras e jabuticabeiras. O soberano, entretanto, é um enorme Jequitibá, já de idade avançada e que, do Vale dos Ciganos, vigia toda a região dos Pretos Forros. Essa árvore anciã, ao que tudo indica, sobreviveu até mesmo ao potencial destrutivo das monoculturas na época colonial, graças à boa sombra que fornecia – e ainda fornece. Sua altura surpreende, mas apesar de ser um morador antigo do Parque, não existem informações exatas sobre suas dimensões. Infelizmente sua expectativa de vida não é otimista, devido a uma doença que está matando o guardião da floresta. Depois de tocar o tronco dessa árvore que parece fazer a ligação entre a terra e o céu e sentir a energia que emana dela, agradeço pela chance de tê-la visto com vida.

De volta ao caminho com a energia renovada, a trilha segue por cerca de 15 minutos até encontrar com a descida da Trilha do Papagaio, que leva até o Pico com o mesmo nome. Esse trecho é bem marcado e fácil de ser percorrido: em menos de meia hora nos leva ao Largo do Bom Retiro. O nome, aliás, faz referência ao Barão do Bom Retiro, que foi personagem em prol do reflorestamento da Floresta da Tijuca. Após uma trilha dessas em meio a uma área em que, após o replantio, a natureza permaneceu praticamente solitária e intocada, terminar o percurso nesse largo parece uma justa e merecida homenagem. Não resisto e faço questão de sussurrar, tão baixo que só o Barão possa ouvir: “muito obrigado”.

 

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  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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