Na semana passada, Mato Grosso comemorou o interesse dos produtores de soja em recuperar o passivo ambiental de suas áreas, que somam mais de cinco milhões de hectares. Diante das câmeras e dos microfones, o próprio governador Blairo Maggi, um dos maiores sojicultores do mundo, garantiu que em 2010 não haverá mais “um pé de soja plantado em área de preservação permanente (APP)” no estado. Esse é apenas um dos louváveis compromissos firmados entre a Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja) e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema). Mas os mesmos aplausos que honraram a iniciativa atestaram também que a legislação ambiental só vai ser cumprida quando e porque os produtores quiseram.
Por trás do clima de festa, os compromissos do termo de cooperação técnica não serão tão fáceis de serem honrados, uma vez que o maior objetivo é ver todas as áreas de soja com suas devidas licenças ambientais. Hoje apenas 35% das propriedades têm a Licença Ambiental Única (LAU) em andamento. Em três anos, a Aprosoja se comprometeu a assegurar que todas as propriedades rurais produtoras do grão no estado tomem as providências necessárias para o licenciamento ambiental. E isso inclui a suspensão do plantio em áreas de preservação permanente, fator que deu maior visibilidade à proposta. Mas, pelos cálculos da Aprosoja, isso não é grande coisa. Equivale recuperar cerca de 50 mil hectares, o que não soma nem 1% das lavouras em Mato Grosso. “Vamos cumprir essa meta com toda a segurança porque temos todas as áreas de mata ciliar mapeadas”, garantiu Marcelo Duarte, diretor-executivo da associação.
Difícil mesmo vai ser conseguir recuperar ou compensar as reservas legais, cujo passivo ainda é desconhecido pela própria Aprosoja. “Por enquanto não temos como saber o tamanho da área para recuperação porque não temos os limites das propriedades”, admitiu Duarte. Para entregar esses dados a Sema, ele cogita ampliar uma parceria com a The Nature Conservancy (TNC), que desenvolveu um projeto bem sucedido de compensação de reservas legais no município de Lucas do Rio Verde, na região central do estado. “Se conseguirmos isso, podemos pensar não em recuperação de pequenos fragmentos espalhados, mas de uma compensação em massa numa determinada área para consolidação de corredores ecológicos, o que é muito mais eficiente”, diz Duarte. Um dos termos do pacto ambiental é, aliás, o comprometimento de que em um ano sejam criadas normas mais claras para promover a compensação de reservas legais nas sub-bacias hidrográficas do estado.
Retirar em três anos toda soja da margem dos rios não quer dizer recuperar plenamente a área. De acordo Afrânio Migliari, superintendente de gestão florestal da Sema, em 2010 a secretaria vai considerar satisfatório o cumprimento do pacto se vir pelo menos um processo de recuperação em curso. “Se tivermos a oportunidade de salvar todas as APPs e garantir a preservação da água, já estaremos dando um grande salto”, diz.
Lei descumprida
Um salto tardio. Afinal, as restrições ambientais quanto à preservação de um percentual de florestas nas áreas produtivas e a proibição de plantios no entorno de rios, nascentes e topos de morros existem desde 1965, quando foi instituído o Código Florestal brasileiro. É como se a lei nunca tivesse existido. “Quem chegou aqui no estado na década de 80 não ouviu de nenhum órgão público o que ele podia ou não fazer em suas terras. Só começamos a pensar sobre o meio ambiente depois da Eco-92, e mesmo assim no Rio de Janeiro e em São Paulo. Aqui em Mato Grosso, essa consciência veio mais tarde”, admite Migliari. Por causa disso, ele prefere não julgar quem hoje reconheceu seu passivo. “Não podemos acusar o empresário agropecuário e florestal de ser um degradador ambiental”, diz.
A Aprosoja tem sua explicação plausível sobre o comprometimento atual dos sojicultores com o meio ambiente: o bolso. “As pressões são muito grandes por todos os lados. Estamos nos alinhando ao que o mundo está pedindo, um produto sustentável. Precisamos nos adequar. Nós achamos que isso é necessário e vamos dar uma resposta à altura contra tudo que falaram sobre os produtores de Mato Grosso”, promete Marcelo Duarte.
Independente da expectativa de benefícios ao meio ambiente, a assinatura desse pacto colocou à prova a eficiência dos mecanismos de fiscalização de que o governo federal e o estado dispõem para garantir a preservação ao meio ambiente, querendo os sojicultores ou não. Para a Sema, que não julga ineficientes seus esforços de fiscalização, acordos como esse são a melhor saída para ver a legislação cumprida. “Não adianta só existir o comando e controle. Quando um cara vê a caminhonete da Sema, se esconde. Falta um componente de conscientização”, diz Migliari.
“Comando e controle é paliativo para todas as áreas em nosso país”, concorda Leslie Tavares, chefe da fiscalização do Ibama em Mato Grosso. Para ele, é fácil justificar dificuldades de atuação apelando para falta de recursos ou pessoal, e mesmo que o Brasil vivesse uma situação ideal, ele acredita que não seria possível exercer um controle efetivo. “Os ilícitos são inúmeros. Mas apesar de todas as nossas restrições, nosso problema não é falta de fiscalização. É a impunidade”, revela.
Tudo bem
A TNC, assim como as demais ONGs que testemunharam a assinatura do chamado pacto ambiental, vê com bons olhos a iniciativa dos produtores de soja, mas sabe que muito ainda precisa ser feito. “Apostamos no envolvimento do setor privado porque sem eles a coisa não vai andar mesmo”, diz Carlos Klink, pesquisador do Programa Savanas Centrais. “Queremos fazer com que o Código Florestal funcione de fato, desenvolver melhores trabalhos técnicos no campo, com capacitação e redução de custos”, conta.
Segundo Klink, esse movimento da soja tem estimulado diálogos mais francos sobre cuidados com o meio ambiente em outros setores da agricultura, como entre os produtores de cana-de-açúcar. “Estamos sentindo um comprometimento maior no setor privado e no governo. Está todo mundo comungando em certas idéias, mas ainda estamos longe de resolver tudo”.
Para cumprir o pacto, a Sema prometeu agilizar os processos de emissão e regularização ambiental das propriedades, informatizar todas as etapas do licenciamento e unificar as bases cartográficas de Mato Grosso para a adoção de uma única até agosto de 2008. Juntos, produtores e secretaria de meio ambiente também decidiram equacionar o que diz a legislação federal com a estadual no que se refere ao Código Florestal e a outras questões conflitantes, além de criar até agosto de 2009 um centro de excelência de interpretação e uso de imagens de satélite em Mato Grosso. É esperar para ver.
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