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Marina Silva para Presidente: a Obama brasileira

Houve quem não acreditasse que os americanos poderiam votar pensando em ética e em mudança. Aqui, se Marina Silva se candidatar, vai nos oferecer a chance de fazer o mesmo.

18 de agosto de 2009 · 15 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

Quando Marina Silva se retirou do governo, escrevi uma matéria neste site, para expressar minha solidariedade e admiração pela ex-ministra, atual Senadora e agora (quase) candidata à presidência. Neste momento, venho nutrir a esperança de celebrar Marina Silva presidente do Brasil. No final de minha coluna, plantei esta idéia como semente, mas muita gente a considerou fora da realidade e inviável.

Isso nunca me afetou, pois todas as idéias novas causam resistência. Comungo da noção de muitos empreendedores que conheço de que o impossível nem sempre o é, e o “como” num primeiro momento é irrelevante. Deve-se concentrar em “o que” se quer atingir, com firmeza e determinação, para depois se planejar os passos necessários que viabilizem o sonho em questão. Se o pensamento das etapas anteceder o propósito, o desânimo pode prevalecer e a caminhada parecer exaustiva e inalcançável demais para que mereça empenho. Até o temor do ridículo atrapalha ideais e utopias. Por isso, vamos ao “o que” queremos para nosso País e o “porque” o almejamos.

Em face a toda podridão que assola a política brasileira nesses últimos anos, Marina inspira uma mudança paradigmática com predomínio da ética, palavra desconhecida pela maioria de nossos governantes. Ela tem sido movida por propósitos nobres e atuais, mesmo que muitos a critiquem quanto à forma de atingir alguns de seus planos. Talvez a essência esteja na separação do que é ambiental do social que precisa ser dirimido de uma vez por todas, como provam pensadores atuais. Marina é a pessoa que tem esta concepção em seu DNA, e tentou em vão administrar sua pasta como Ministra interligando os outros Ministérios. Todavia, foi atropelada por Energia, Planejamento e os demais ministros, que insistem em manter a visão míope de que a preocupação ambiental atravanca o progresso. Visão, no mínimo, retrograda –  velha!

Por que Marina está certa em colocar o meio ambiente no centro das atenções?

Na formulação das Metas do Milênio, tenho acompanhado o empenho de dois batalhadores, o Prof. Don Melnick da Universidade de Colúmbia e Yolanda Kakabadse, ex-ministra do Meio Ambiente do Equador e atual conselheira da ONU, que propõem colocar o tema ambiental como central. Eles e outros autores do documento Sustentabilidade Ambiental – Ambiente e o bem-estar do homem: uma estratégia prática defendem que a questão ambiental é hoje prioridade e da qual tudo depende de uma maneira ou de outra. Explicam da seguinte forma:

“Alcançar a sustentabilidade ambiental requer o balanceamento cuidadoso do homem, e ao mesmo tempo sustentar um ambiente estável que regularmente e previsivelmente provê recursos como água potável, alimento, ar limpo, madeira, pesca e solos produtivos, e que protege as pessoas de enchentes, secas, infestações e doenças. Portanto, sustentabilidade ambiental é uma meta fundamental no caminho para se atingir os sete outros Objetivos do Milênio”. 
 

Assim como Herman Daly tentou por anos afio incluir a questão ambiental no panorama do Banco Mundial com pouco sucesso, esses autores têm batalhado por elevar o tema ao padrão de atenção que merece. O jornalista Washington Novaes vem continuamente enfatizando que tudo o que o ser humano faz tem impacto no mundo físico. Estressa que os limites já ultrapassaram ou estão na eminência de ultrapassar o que o planeta suporta. Os padrões de consumo dos recursos naturais e dos serviços ambientais encontram-se além da possibilidade de reposição, como cita o ex-Secretário Geral da ONU, Kofi Anam. Mudanças civilizatórias são vitais, mas os interesses divergentes impedem que se chegue a medidas que se aproximem da sustentabilidade. É necessário um novo pensar que não se enquadra nos modelos de organização social até hoje adotadas.

Em palestra sobre o clima, Novaes aponta como as mudanças climáticas estão no centro da problemática que o planeta enfrenta. A elevação dos oceanos pode afetar a vida de mais de 40% da população humana que vive nas zonas costeiras. Se persistirem os padrões de emissões atuais, o clima se agravará a ponto de ameaçar nossa própria sobrevivência e da vida como a conhecemos, como afirma Carlos Nobre, nosso especialista do tema no Brasil. Os desastres naturais vêm se intensificando e aproximadamente 160 milhões de pessoas já foram vítimas dos desequilíbrios naturais, com milhares de mortes causadas por furacões, tsunami, secas ou enchentes.    

Sir Nicholas Stern, que foi por anos economista-chefe do Banco Mundial e hoje é uma referência em mudanças climáticas, afirma que é a questão climática que poderá causar a pior recessão da humanidade, com perdas de 20% do produto bruto mundial. Mesmo assim, o setor econômico recusa-se a priorizar as medidas que seriam necessárias para tentar reverter esta situação, que ele estima demandaria um investimento de 1% do PIB mundial por ano,por volta de 600 bilhões de dólares. Se houvesse compreensão da gravidade em que nos encontramos, as chances seriam maiores dos governos ou investidores acordarem para a necessidade de se agir, como foi o caso da crise econômica recente que fez brotar recursos não se sabe de onde. A área ambiental representa a própria sobrevivência da vida, e mesmo assim continuamos  tentando convencer quem não quer ouvir, ou estamos falhando em nossa forma de comunicar as urgências que nos afrontam.

As demandas sobre os recursos naturais só aumentam. Em um pouco mais de 30 anos, a população do mundo dobrou de três para seis bilhões, e o consumo disparou. O que é mais grave é que 80% do que é produzido beneficia menos de 20% da população humana, que habita os países industrializados. A concentração de renda é assustadora: três pessoas mais ricas do mundo têm mais do que os 48 países mais pobres (com 600 milhões de indivíduos). As 250 pessoas mais ricas retém mais do que têm os 45% de toda a humanidade, ou dois bilhões e 700 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza. Vários países repetem esses padrões dentro de seus territórios. No Brasil, mais de 30% vivem abaixo da linha de pobreza, mesmo com Bolsa Família, que se não vier acompanhada de programas educacionais poderá perpetuar a pobreza instalada. As realidades são, portanto, contrastantes e precisam ser revistas.

As pegadas ecológicas que temos deixado, como há anos preconiza o  professor da Universidade de Vancouver, no Canadá, William Rees, não se sustentam. Segundo seus cálculos, já seriam necessários quatro planetas se toda a população da terra tivesse um padrão de vida como a da porção mais rica da Terra. Por isso, ou se muda o modelo do que se pensa ser progresso, ou as chances de permanecermos vivos e com qualidade de vida se tornam cada vez menores.

O Brasil talvez seja o único país com chances de implementar um novo modelo civilizatório. Em seu enorme território composto por cinco biomas que abrigam inestimável biodiversidade e riqueza de recursos naturais ainda abundantes pode e deve ousar inovar. Marina é “a pessoa” para trazer algo revolucionário que responda à realidade atual.

Quem diz que não é possível a Marina se tornar presidente? Miram Leitão em matéria de O Globo (09/08/2009) afirma que espaço há e que vai além do verde. Se compararmos o momento atual do Brasil com o que os Estados Unidos viveu recentemente observamos que a maioria dos Norte Americanos não acreditava na eleição do Obama, e talvez nem tenha percebido a velocidade com que ele passou a dominar a escolha dos eleitores. Seu sucesso foi representar mudança, visões novas e ser alguém não contaminado. Soube usar, ou foi bem assessorado na utilização de modernos meios de comunicação que difundiram e contagiaram mais e mais pessoas provocando um verdadeiro efeito dominó.

Marina pode ser a Obama do Brasil. A vontade se ter alguém que represente o novo deve ser o anseio de muitos mais do que podemos calcular. O tempo dirá, e parece que chega rapidamente. Marina para Presidente começa a levantar poeira. Deixa o poder estabelecido com incertezas do que ocorrerá, o que pode ser benéfico. Mas não me contento com incertezas – quero mesmo é que ela ganhe! E acho que é possível sim.

As criticas que ouço à Marina não me parecem relevantes. Alguns a consideram “um samba de uma nota só,” por ter no ambiente seu foco central. Ora, se compreenderem que o ambiente é a questão central, como expus acima, ela terá grande chance, e estará regendo todas as notas e não uma só. Oxalá ela promova a revolução que causou o Samba de uma Nota Só na música brasileira, já que foi uma das pioneiras da Bossa Nova. O Brasil foi o criador deste estilo musical e o ecoou em todos os cantos do planeta. Que a gente cante esta nota, mas acima de tudo, que cante esta vitória. Aliás, quem sabe a música nos ajude a divulgar ao povo brasileiro caminhos que nos tirem da surdez que predomina nos tomadores de decisão em nosso País. Cantar faz bem à alma e cantar Marina para Presidente pode ser uma ótima opção em nosso repertório atual.

Obs. Gostaria de deixar claro que esta matéria reflete minha opinião pessoal, e não representa a posição do IPÊ, do O Eco, ou de qualquer outra instituição da qual faço parte.

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