A surpresa no debate entre os dois candidatos à presidência do EUA foi, diante da maior crise econômica que essa geração de eleitores viveu, uma eleitora perguntar sobre mudança climática. Ambos disseram discordar da política de Bush sobre o clima. Mas Barack Obama foi além e propôs uma visão de longo prazo, olhando para lá do derretimento do sistema financeiro de seu país e, provavelmente, global. Ele disse que a economia sairá da crise diferente. Haverá sacrifícios e perdas de emprego. E os empregos criados após a crise serão “empregos verdes”, especialmente empregos de “colarinhos verdes”, ou seja, ocupações técnicas, ligadas aos setores de energias renováveis e tecnologias verdes, de baixo ou zero carbono.
Ele estava, provavelmente, pensando no que fará, ser for eleito. Para ele a prioridade central é a segurança energética do EUA e, ao contrário da dupla McCain-Palin, que vê na exploração de petróleo no litoral do país e no Alasca a chave dessa independência, para Obama, ela está nas energias renováveis: biocombustíveis, eólica, fotovoltaica. Duas peças de seu esquema de segurança energética são controvertidas: ele adiciona à lista a energia nuclear e o “carvão limpo”. A energia nuclear, hoje, divide ambientalistas. Há defensores do uso dela entre ambientalistas de folha corrida impecável. Como há opositores de igual qualificação. O carvão limpo é uma concessão aos interesses do estado em que fez política, Illinois, que tem uma economia altamente dependente em carvão. Carvão limpo, hoje, é ficção científica ou enganação política.
Olhando o futuro
Mas não é isso que importa. O relevante nesse episódio é que o EUA tem um candidato pensando longe e ele pensa no que fará como presidente para estimular investimentos que tirem seu país da recessão e o seu modelo mental é o de uma economia para o Século XXI. Ao invés de estimular velhas indústrias de alto carbono, pensa na reconstrução da economia induzindo investimentos em novas energias, novas tecnologias de baixo ou zero carbono, para ter, como resultado, uma nova economia, centrada não na siderurgia, na petroquímica e outras indústrias fósseis, mas nas novas energias, na biotecnologia, na nanotecnologia, em TI verde.
Essa é a aposta que muitos países europeus também estão fazendo. O futurólogo Peter Schwartz disse recentemente, em entrevista ao boletim da consultoria Ernst & Young, que, na próxima década, os investidores se moverão em direção a energias alternativas, limpeza da água e do ar, seqüestro de carbono, biomateriais, biosoluções, TI verde. “Tudo estará ficando verde”, disse ele. Nessa entrevista, também reconheceu que as “green techs” as tecnologias verdes eram parte da “bolha financeira” e que sofreriam quando ela estourasse. Pois é, estourou. E elas vão sofrer. Mas, depois do estouro, dizia Schwartz, os investimentos serão retomados e os empreendimentos sólidos, os projetos bem estruturados e com viabilidade comprovada, os projetos inovadores conduzidos por cientistas e tecnológos de primeira linha, serão as novas “blue chips”, os projetos preferenciais de investidores institucionais e de “investidores de risco”, os “venture-capitalists”, que não vão desaparecer.
Esse cenário de Peter Schwartz, faz todo sentido. No curto prazo, haverá mesmo prejuízos para os investimentos programados na “sustentabilidade”, para sumarizar tudo isso em uma palavra. Todo mundo vai perder porque se trata de uma crise sistêmica global. Mas a saída da crise abrirá novas e, provavelmente, inéditas oportunidades, redefinindo competitividades, alterando profundamente a correlação de forças econômicas, nas economias domésticas e na economia global. É improvável que uma crise da profundidade, alcance e gravidade que essa está assumindo, não provoque mudanças e rupturas significativas. O mais provável é que o mundo que saia desta crise seja bem diferente daquele que entrou nela.
O prejuízo para o clima não será tão grande, porque a recessão mundial que se anuncia reduzirá as emissões de gases estufa globalmente e também inibirá parte do desmatamento determinado pela prosperidade da agroindústria, no Brasil e na Indonésia.
No Brasil, o cenário de boom de commodities agrícolas derreteu. Vamos colher 144 milhões de toneladas de grãos, um novo recorde, para vender para um mercado que encolheu significativamente em relação àquele cuja demanda estimulou o plantio. Os preços cairão, os estoques aumentarão e a área plantada para a próxima safra diminuirá. É claro que, passada a crise, quando a demanda retornar, a oferta terá minguado, os preços subirão, as safras se ampliarão. Teremos ganhado tempo para desenhar uma política mais eficaz de controle do desmatamento e um marco regulatório que nos assegure uma agroindústria social e ambientalmente responsável. A questão é saber se aproveitaremos essa oportunidade.
A hora das tecnologias verdes
No caso das novas tecnologias, o processo será semelhante. Os investimentos cairão durante a crise. Na recuperação, investidores mais sóbrios, farão análises mais detalhadas dos riscos e descobrirão que as velhas tecnologias têm um risco crescente à sua rentabilidade futura, por causa dos custos do carbono, seja sob a forma de impostos sobre o carbono, seja sob a forma de cotas mais exigentes. Investidores seletivos não olham só o curto prazo, mas o ciclo de vida do investimento. Investir em uma termelétrica, por exemplo, será investir em um negócio que pode se tornar economicamente inviável em menos de uma década. O mesmo se pode dizer da siderurgia, da petroquímica e de tantos outros setores que dominaram a indústria “moderna” no século XX. Em compensação, investir em projetos de energia alternativa, de redução de emissões, de ampliação da oferta de água limpa, de eficiência energética, significará escolher projetos de baixo “risco carbono” e alta prioridade política, portanto, passíveis de incentivos e subsídios que garantem seu amadurecimento econômico-financeiro e tecnológico.
Era disso também que Obama falava. E dos empregos que esses projetos geram, para trás, desde a pesquisa e desenvolvimento, e para a frente, na produção de produtos finais que se beneficiem dessas novas tecnologias. Por exemplo, a oferta adequada de biocombustíveis de segunda geração estimula a demanda e a oferta de veículos que usem 100% de biodiesel, bioetanol ou biogasolina. O desenvolvimento de baterias mais eficientes de alta potência e recarga rápida estimula a demanda e a produção de veículos híbridos. A ampliação da oferta de veículos híbridos possibilita políticas de substituição de frotas de transportes coletivos, como está acontecendo em New York, com os táxis, que deverão ser todos híbridos em breve espaço de tempo. Há muitos outros exemplos. Todos mostram a mesma coisa: novas tecnologias, permitem novos negócios, que geram novos empregos. Tudo verde, ou quase verde.
Empregos verdes
Os empregos de “colarinho verde”, que demandam uso de conhecimento, aumentam a demanda por educação de qualidade, que força mudanças nas políticas educacionais. Relatório da OIT-PNUMA, recentemente divulgado, mostra que já existem no mundo em torno de 2,3 milhões de empregos verdes no setor de energias renováveis. No setor de energia eólica são 300 mil. Só na Alemanha, mais de 80 mil. Solar e solar-termal, quase 750 mil. Biomassa 1,1 milhão. No Brasil seriam perto de 500 mil, porém uma boa parte de péssima qualidade, ligada à colheita da cana e outras atividades na indústria de álcool. Na construção civil verde e reformas de prédios para torná-los mais sustentáveis, o emprego crescerá fortemente, uma vez recomposto o setor depois da crise. Só na União Européia, a estimativa é de que medidas de eficiência energética em imóveis demandarão 2,6 milhões de empregos até 2030. No EUA, há previsões de investimento da ordem de US$ 90 bilhões, públicos (incentivos e subsídios) e privados, no setor de construção civil verde, demandando perto de 850 mil empregos, inclusive em pesquisa e desenvolvimento e regulação. No setor de transportes, também se estima o crescimento exponencial do “emprego verde”. Outra área em que haverá muita mudança e geração de empregos verdes, é a da indústria de bens de consumo, cujos produtos todos terão que ser redesenhados para serem mais eficientes em energia, água e materiais carbono-intensivos e menos poluentes em geral. O setor de reciclagem já emprega, hoje, mais de 11 milhões de pessoas, a maioria absoluta – 10 milhões – na China. No EUA, essa atividade já emprega quase 1,5 milhão de pessoas e, no Brasil, 500 mil.
É inevitável que o mundo se mova para uma economia de baixo carbono e o eixo da competição global se deslocará para a nova economia “verde” e para as tecnologias verdes. O ano de 2009 será consumido pelo rescaldo da crise e o de 2010, com muita sorte, será o início da recuperação. Tudo dependerá da quantidade de erros que as autoridades econômicas e monetárias ainda cometerão nesse início da crise sistêmica global. A nova economia, que sairá da crise, provavelmente começará a tomar forma a partir de 2011 e por volta de 2015 seus principais contornos já serão mais claramente visíveis. Em seus traços principais deverá haver bastante mais tecnologia verde, do que na economia de hoje. Nesse período (2010-2015), quase certamente o etanol celulósico entrará no mercado para valer e, logo em seguida, a gasolina, o diesel e o combustível de aviação celulósicos. A obtenção de combustíveis de algas marinhas virá em seguida. O custo das energias eólica e fotovoltaica cairá, com a nova escala por elas atingida e os avanços tecnológicos. Um novo protocolo climático será adotado a partir de 2015, muito mais exigente e eficaz que o Protocolo de Kyoto, com participação efetiva do EUA e sob a liderança do EUA, se o presidente for Obama. Entre 2015 e 2020, um novo sistema de governança global do clima provavelmente estará de pé.
Brasil de costas para o futuro
O Brasil, infelizmente, está de costas para esse futuro. Não sabe o que fazer com a Amazônia. Estimula a energia fóssil: 80% da energia nova, contratada para os próximos 10 anos é a óleo ou carvão. Cara e suja. O governo Lula está sujando nossa matriz energética de forma deliberada e irresponsável. Hoje só pensa no fantasioso petróleo do pré-sal. Não estamos investindo em biocombustíveis de segunda geração, de origem celulósica, porque o governo acredita que nosso álcool será eternamente competitivo, com o uso extensivo de terra, trabalho escravo, queimadas e ineficiência empresarial. Há preconceito institucional e sabotagem política às energias renováveis, principalmente eólica e solar (térmica e fotovoltaica). Nossa visão de desenvolvimento continua focalizada em siderúrgicas, refinarias de petróleo, petroquímicas, rodovias, termelétricas.
Peter Schwartz menciona várias incertezas sobre esse futuro centrado nas tecnologias verdes. Um deles é a própria tecnologia, que ainda não está totalmente dominada e demanda pesquisa e investimento de base. Outra incerteza importante é o mercado. Será que as pessoas realmente se disporão a comprar produtos verdes, que podem ser, de início, mais caros? É certo que enquanto estiverem sob o impacto das perdas da crise e da recessão, não comprarão. Mas na recuperação, especialmente com o crescimento do emprego verde, essa demanda começará a aparecer.
A outra incerteza é política. Os governos adotarão as políticas públicas requeridas para garantir essa transição? A resposta é sim, para a Europa e para o EUA, especialmente se confirmada a vitória dos Democratas. Sim, para a China, por causa da própria magnitude de seu problema ecológico. Ele está se tornando um limite físico ao desenvolvimento e ao bem-estar dos chineses. O primeiro-ministro da China tem insistido que a conservação de energia, a redução do consumo de energia, a proteção ambiental e o uso adequado da terra têm que ser o fulcro principal da mudança no padrão de desenvolvimento do país. A insistência desse discurso e a sucessão de medidas que têm sido tomadas indicam que, em algum momento, a prática seguirá a retórica. A resposta é talvez, para a Índia, onde as resistências são maiores. É não para o Brasil, até o final do mandato deste governo e, talvez, dependendo de quem se eleja presidente em 2010.
Esse atraso em compreender o desafio climático e buscar um padrão de desenvolvimento de baixo carbono, pode custar caro ao Brasil. Embora sejamos um dos países com melhores condições para fazer a transição para a nova economia, sem sacrifícios, a correlação de forças que domina a sociedade e este governo está ligada ao passado e às tecnologias de alto carbono. Para o Brasil, a agenda climática poderia ser, tranqüilamente, uma agenda de “desenvolvimento verde”, com ganhos correlatos em educação, progresso técnico e científico e saúde pública. Mas, o reacionarismo de nossa elite e o atraso de nosso governo nos expõem ao risco do isolamento na política global do clima e de sanções comerciais, que poderão nos ser muito prejudiciais, exatamente na saída da recessão que se avizinha. Não seremos uma ilha de crescimento na recessão global, nem prosperaremos como uma economia que escolhe ficar com a sucata industrial do século XX, na esperança de com ela crescer no século XXI. O século XX morreu e, com ele sua indústria e sua principal fonte de energia. Quanto mais cedo forem enterrados e esquecidos, maiores nossas chances de sucesso nas próximas décadas.
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