Reportagens

A farra da anistia

Há uma semana, Brasil aprovou lei que anistia desmatadores e restringe papel da fiscalização ambiental. Na reta final de Copenhague ambientalistas cobram coerência.

Andreia Fanzeres ·
17 de dezembro de 2009 · 15 anos atrás
Fiscais protestam em Brasília contra lei que anistia desmatadores. (Foto: Ibama/DF)
Fiscais protestam em Brasília contra lei que anistia desmatadores. (Foto: Ibama/DF)

Enquanto no Brasil grupos ambientalistas permanecem indignados com a aprovação do decreto suspendendo multas previamente dadas a quem desmatou, e impedindo que os órgãos de fiscalização federais apliquem novos autos de infração por crimes cometidos nessa área até o dia 9 de dezembro de 2009, na Conferência do Clima em Copenhague a confiança depositada nos compromissos ambientais do país continua inabalável.

O receio de agentes ambientais federais – que já estavam ameaçados a não conseguir exercer seu papel propriamente em Mato Grosso após a regulamentação do programa MT Legal, calcado nas mesmas bases – finalmente se confirmou com a extensão da proposta agora em nível nacional. O governo deu três anos para quem cometeu desmates ilegais se cadastrar e se comprometer a recuperar a área degradada, sem pagamento de multas, através de um termo de adesão e compromisso.

“Não faz qualquer sentido perdoar a multa de quem desmatou ilegalmente há uma semana. Essa pessoa que desmatou sabia que não podia fazê-lo e o fez deliberadamente. Não precisa de ajuda para se regularizar, mas de punição exemplar para evitar que outros façam o mesmo”, comentou o advogado Raul Silva Telles do Vale, do Instituto Socioambiental (ISA), em artigo recentemente publicado sobre o assunto.

Segundo Roberto Smeraldi, da organização Amigos da Terra – que há poucos dias esteve em Copenhague para mostrar que o desmatamento para conversão de florestas em pastagens no Brasil é responsável por metade das emissões de gases estufa nacionais – a medida vai gerar ainda mais impunidade. “Isso contribui para desmoralizar qualquer ação do poder público”, opinou. Para que alguma credibilidade seja dada a ações de comando e controle, o governo deveria remar em outro sentido. “O Ibama teria que aumentar expressivamente a efetiva cobrança das infrações, chegando a pelo menos 20 a 30% do total, o que ainda seria pouco, mas pelo menos sinalizaria o fim da impunidade generalizada e estrutural”, sugere Smeraldi.

Funcionários do Ibama organizaram uma manifestação para esta sexta-feira na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em repúdio ao decreto que, segundo os servidores, deixa a fiscalização federal de mãos atadas. Isso depois dos cofres públicos terem bancado investimentos de cerca de 500 milhões de reais nos últimos cinco anos para manter o sistema de fiscalização, de acordo com o órgão. “Não vejo por esse lado. O Ibama não é uma caixa registradora, o objetivo principal do órgão é trabalhar para mudar comportamentos. Esta é a primeira vez que se cria uma lei que oferece mecanismos e meios técnicos de os proprietários de terra regularizarem sua situação”, defende o ministro do meio ambiente, Carlos Minc, que comentou com O Eco que a lei não anistia coisa alguma. Quem está multado e não regularizar continua com a multa. Só vão ser liberados da multa aqueles que se regularizarem”, disse.

Por fora bela viola

Nada disso, no entanto, deve respingar na confiança que o Brasil construiu na esfera internacional, ainda mais nos últimos momentos da convenção do clima e depois do elogiado discurso de Lula sobre a posição de liderança que o país busca na área ambiental. “Sempre cobramos do Brasil coerência nas suas ações. Na esfera internacional, o Brasil construiu uma imagem positiva dando passos importantes como o estabelecimento de um plano de redução de emissões e metas de diminuição do desmatamento, mas uma atitude como essa vai contra qualquer coerência”, opina Carlos Rittl, que acompanha de perto as negociações envolvendo florestas na COP15 pela WWF. “Este tipo de ação coloca em risco a credibilidade do Brasil com seus compromissos em relação ao combate ao desmatamento. Mas como aqui no nível internacional todos estão preocupados com os processos macros, não está havendo impacto entre os chefes de estado”, completa.

Mas Carlos Minc não vê a coisa por este ângulo. “Acho o contrário. A lei acaba com a dicotomia que existe sobre o assunto. Acaba com a briga dos ruralistas, que dizem que têm que extinguir a lei [de penalização pelo crime ambiental], já que 90% das multas não foram pagas, e com a de certos ambientalistas que querem resolver o assunto de forma simplista”, rebate o ministro. Ele chamou de deformada a maneira como a aprovação do decreto foi divulgada pela mídia nacional. “Precisamos diminuir a demagogia na forma de falar sobre isso. Noventa por cento das multas ambientais no Brasil não foram pagas. Trabalhamos muito nos últimos anos e conseguimos a menor taxa de desmatamento da História. Só para fazer uma comparação, na gestão da Marina Silva, que foi uma ótima ministra, a taxa foi de 27 mil km² de desmatamento. Este ano conseguimos chegar a 7 mil [km²]”, argumentou.

Para Paulo Adário, do Greenpeace, a imprensa internacional ainda não acordou para esses temas de política ambiental interna no Brasil, por isso falta pressão de fora para forçar uma repercussão em esferas como as daqui de Copenhague. “As pessoas estão discutindo o que é floresta e não o que é árvore, vendo tudo em outra escala. Esse decreto deveria ter impactado a todos, mas não impactou”, constatou.

O jornalista francês David Sólon, e o britânico John Pickrell, alguns dos mais de 3.400 jornalistas que dividem a sala de imprensa na cobertura da COP15, confirmam que sequer têm notícia do processo de enfraquecimento da legislação ambiental no Brasil. “Estamos na França cobrindo mais a questão florestal no Brasil muito em função da boa imagem que o Lula tem no nosso país e dos acordos entre Brasil, França e países africanos. Mas na maioria das vezes não investigamos os assuntos de forma mais profunda do que isso”, admitiu Sólon.

Leia o decreto 7029

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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