Reportagens

Para salvar, vale caçar?

Representante de organização internacional Traffic defende o comércio de espécies silvestres como forma de proteger a Amazônia. ONGs de defesa animal podem atrapalhar, diz Bernardo Ortiz.

Vandré Fonseca ·
19 de outubro de 2009 · 14 anos atrás
Foto: worldparrotstrust.org
Exemplares de Amazona aestiva apreendidos na Argentina, 
comércio foi proibido após campanha de ONGs

A caça e a venda de animais silvestres podem ajudar a preservar florestas e a vida selvagem. Claro, se forem feitas sob controle rígido e baseadas em estudos científicos. As propostas defendidas pelo diretor da Traffic América do Sul, Bernardo Ortiz-von Halle, podem até contrariar defensores do bem-estar dos animais, mas quando se trata de defender a biodiversidade, para ele, o pragmatismo é muito mais eficiente do que boas intenções. “Nós defendemos que o comércio justo pode ser uma estratégia de preservação e redução da pobreza”, afirma o colombiano.

A rede Traffic existe há mais de trinta anos e monitora o comércio internacional de espécies silvestres. Na América do Sul, acompanha atividades como o tráfico de mogno das florestas tropicais e o comércio de barbatanas de tubarões mortos no mar do Peru. O diretor do escritório da rede na América do Sul esteve em Manaus, no mês de setembro, durante um encontro da polícia internacional, Interpol, sobre crimes contra a vida selvagem.

Após apresentar as atividades da rede no mundo e no continente a policiais de dezenas de países, o colombiano falou sobre suas idéias para reduzir a caça ilegal e o tráfico de animais e plantas. E um dos alvos de suas propostas são justamente organizações que militam em favor dos direitos animais, que segundo Bernardo Ortiz, muitas vezes atrapalham a preservação.

Na Argentina, ele conta, o programa de manejo desenvolvido pelo governo permitiu a proteção de papagaios da espécie Amazona aestiva. Com a exportação das aves, foi possível remunerar moradores da região onde a ave era encontrada e até comprar novas áreas para proteger o habitat, ameaçado pelo cultura do algodão. Tudo ia bem até que militantes em favor dos direitos e bem-estar dos animais entraram em cena. “Ele usaram a ameaça da gripe aviária para impedir que os papagaios entrassem na Europa e fizeram lobby também nos Estados Unidos. Isto tirou o mercado para a venda dos papagaios e atrapalha a preservação”, diz Bernardo Ortiz.

As restritivas leis de países sul-americanos, segundo o colombiano, também não colaboram para projetos de preservação, porque impedem o aproveitamento econômico da biodiversidade e, de tabela, a própria preservação. “Nunca fizemos um sistema legal de exportação”, destaca. “Animais deveria sair daqui legalmente e esterilizados”, completa.

Se a venda de aves causa protesto, a caça defendida por ele pode gerar ainda mais controvérsia. Mas o colombiano não parece preocupado e defende, por exemplo, a caça esportiva de grandes felinos para acabar com a matança feita por fazendeiros que se sentem ameaçados por estes carnívoros.

“Se as onças pudessem ser caçadas como em parques na África, onças passariam a ter um valor e ser protegidas. E isto não aumentaria a pressão porque já estão sendo mortas”, defende. As idéias podem contrariar militantes de defesa dos direitos dos animais. Bernardo sabe disto, mas defende o pragmatismo. “A morte de uma ajudaria a proteger outras vinte”, afirma.

Polêmica

foto: Russel Mittermeir
Macaco-prego de peito amarelo. Ameaçado
pela captura por colecionadores.

Claro que idéias assim geram polêmica, principalmente quando se fala em sacrificar alguns animais para o bem estar de outros. Para Dener Giovanini, coordenador geral da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), a caça só é aceitável quando absolutamente necessária, como para evitar um desequilíbrio ambiental insolúvel por outras maneiras. “A caça, seja esportiva ou por qualquer outra razão que não a mencionada anteriormente fere todos os princípios da sensatez”, afirma Giovanini. Até mesmo a caça de subsistência só é aceitável quando não existe outra opção para a sobrevivência. “O valor gasto por uma única bala é o suficiente para comprar algo para alimentar-se”, considera.

Mas a Renctas concorda com Bernardo Ortiz quando o tema é a criação legal da fauna silvestre, como alternativa ao comércio ilegal. “A Renctas aguarda por parte do IBAMA a regulamentação definitiva do setor e apóia integralmente uma proposta que contemple a criação comercial de forma a atender a conservação das espécies”, defende.

Já para o coordenador nacional do Grupo de Apoio aos Grandes Primatas (GAP), o empresário Pedro Ynterian, nem o comércio de animais silvestres é aceitável. “Se você tem animais para entretenimento ou com colecionadores, você está incentivando a retirada de animais do hábitat. As pessoas têm que entender que eles não são objetos para o nosso entretenimento”, defende. O GAP conta com quatro santuários que abrigam animais resgatados de maus-tratos e condições inadequadas em lugares como zoológicos e circos. Se Ynterian já condena o comércio, a caça então, para ele, deveria ser punida ainda com mais rigor. “A onça tem direito de se alimentar. Se o fazendeiro tem um prejuízo, é o preço que ele tem de pagar para preservar o animal”, decreta. “O ser humano não é dono do mundo. Ele tem que respeitar os outros seres”, defende.

Para o diretor do GAP, a saída não é flexibilizar as leis, mas educar e conscientizar. As leis, para ele, são até frouxas. “É preciso punir o tráfico com medidas severas. Hoje, se alguém é pego com 500 ou 800 pássaros paga uma fiança e fica livre. Assim, o crime compensa”, lamenta Pedro Ynterian.

Prejuízos

Mas para Bernardo Ortiz, as restrições à caça e ao comércio legal de animais silvestres têm marcado gols contra a preservação. Quem se dá bem com estas restrições são europeus e asiáticos, que segundo o diretor da Traffic se apropriaram de recursos genéticos da região e lucram no mercado internacional.  

A perda do patrimônio genético é também uma ameaça para as florestas, conforme o colombiano. Na visão dele, na Amazônia, existem poucas alternativas para o homem sobreviver além do extrativismo. Caçar, coletar frutos ou sementes e retirar da floresta o sustento é o modo de vida das populações da floresta há muitos séculos. E quando estas atividades são proibidas ou mal remuneradas, há o risco das comunidades apelarem para negócios ilegais.

É o que pode acontecer, na visão do colombiano, no Rio Negro, devido ao declínio na exportação de peixes ornamentais. De lá, sai a maioria dos peixes de aquário comercializados no mundo. Mas atividade vem perdendo o fôlego, devido a concorrência de peixes reproduzidos no Sudeste Asiático, em países como Cingapura e Malásia, e nos Estados Unidos.

Além disso, a admiração pelos peixinhos saiu de moda. “É um hobby de pais e avós. Os jovens de hoje gostam de games e internet”, afirma. Mas ele mantém o otimismo e acredita que em um mundo com casas e apartamentos cada vez menores, onde não há espaço para grandes aves ou cachorros, um belo aquário é a chance de ter em casa um pouco da natureza e, de quebra, ajudar na preservação do meio ambiente. “Extrair 30 milhões de alevinos do meio corresponde a uma percentagem mínima. Tudo o que é necessário é um habitat saudável, que você vai ter piabas pelo resto da vida”, pondera. “Algumas pessoas, se não capturarem o peixe, vão viver de atividades ilegais, como a madeira ou garimpo”, prevê.

Atalhos
Traffic 
Grupo de Apoio aos Grandes Primatas (GAP)
Renctas

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