Reportagens

Um dia (mais ou menos) sem carro

Rio adere oficialmente ao Dia Mundial sem Carro. O prefeito andou de bicicleta e a disponibilidade de transporte público dobrou, mas pouca coisa mudou no trânsito da cidade.

Bernardo Camara ·
23 de setembro de 2009 · 15 anos atrás

Na frente assembléia legislativa, um grupo pedala em manifesto organizado pelo Partido Verde
 

Em sua primeira adesão oficial ao Dia Mundial sem Carro, em plena terça-feira, o Rio de Janeiro continuou o mesmo: com trânsito lento e muitos automóveis na rua. A melhora sensível no tráfego só aconteceu no Centro, onde o estacionamento foi proibido em 18 ruas, totalizando mais de 500 vagas inutilizadas. Nas outras partes da cidade, a marcha lenta predominou nos horários de pico.

Rafael Santiago, motorista do ônibus do Metrô que faz a integração entre os bairros de Botafogo e Gávea, na Zona Sul, fez sua primeira viagem às 5h20. Até largar o batente, não notou diferenças. “Está tudo igual. Nem o trânsito diminuiu, nem aumentou o número de passageiros”.

A percepção de Santiago se espalhou pela cidade, para a frustração dos que resolveram aderir à ideia. “Hoje estou indo de ônibus pois acho a iniciativa importante”, disse o engenheiro Ronaldo de Castro, que passou por algumas retenções no trajeto entre Jardim Botânico e Flamengo. “Se as pessoas não pensam coletivamente, fica difícil”.

Para dar vazão ao possível aumento de demanda, o transporte público planejou um esquema especial. Trens, metrô e ônibus tiveram sua frota aumentada. Porém, as concessionárias não tiveram trabalho dobrado.

Discursos sobre duas rodas

Estacionamento de prédio comercial no Centro: pessoas não deixaram carro em casa
 

Se a população não deixou o carro em casa, a terça-feira foi o dia das autoridades se prestarem a esse papel. O prefeito Eduardo Paes vestiu uma bermuda, botou o capacete e pedalou por mais de uma hora para chegar ao seu gabinete, em Botafogo. “Estamos mal habituados ao uso de carro”, comentou, prometendo repetir o “gesto simbólico” mais vezes.

O governador Sérgio Cabral também deu suas voltas sobre duas rodas. E o deputado estadual André Lazaroni (PV) reuniu um grupo de ciclistas para rodar pelo Centro até as escadarias da Assembleia Legislativa, onde preside a Comissão de Meio Ambiente. “O que estamos fazendo é uma maneira lúdica de proporcionar uma relação amigável entre motoristas, ciclistas e pedestres”, explicou. “Temos que mudar nossos hábitos”.

Apesar dos discursos, a realidade não é das melhores para os cariocas que optam por deixar o automóvel na garagem. Há dois meses, o economista Alex Galvão faz o trajeto Catete – Centro de bicicleta. Leva pouco mais de dez minutos. Mas tem que se arriscar entre os carros. “As ciclovias estão mais pela zona Sul”, diz. Para ir a outros cantos, o caminho é pela rua.

O secretário municipal de Meio Ambiente, Carlos Alberto Muniz, demonstrou que a pasta está disposta a entrar na causa. E sem falar em prazos, aproveitou a ocasião para anunciar que os ciclistas devem receber novas pistas. “As ciclovias ganharão mais 200 quilômetros, entre as zonas Oeste, Portuária e Sul”.

Difícil adaptação


Nas ruas do Centro, o estacionamento foi proibido. Mais de 200 multas foram aplicadas

O Centro foi o ponto principal do Dia sem Carro no Rio. Sem as filas duplas formadas pelas vagas de rua, o trânsito fluiu melhor. A Guarda Municipal aumentou seu efetivo na região e colocou alguns de seus agentes para circular de bicicleta. Mas mesmo com o esquema de orientação, a secretaria especial de Ordem Pública rebocou mais de 90 veículos que pararam em locais proibidos. Foram aplicadas quase 200 multas.

Na praça Mario Lago, órgãos da prefeitura e do estado montaram barracas para distribuir folhetos educativos e oferecer serviços de saúde. Por ali, aconteceram algumas atividades culturais.

Em Copacabana, voluntários davam dicas sobre como se locomover de bicicleta pela cidade. A prefeitura também inaugurou a “Zona 30”, que estabelece o limite de 30 km/h para o tráfego de veículos nas vias secundárias do bairro.

Para Zé Lobo, presidente da ONG Transporte Ativo, as iniciativas valeram a pena. Mesmo sem ter sensibilizado muita gente. “Com a adesão da prefeitura, o evento toma um porte maior. Ano que vem todo mundo já vai saber do que se trata”, acredita. “Já é válido só por ter feito as pessoas pensarem novas formas de se deslocar”.

Outros lugares

Nas principais capitais do Brasil, o trânsito também permaneceu lento ao longo do dia. Assim como no Rio, alguns políticos de outras cidades usaram transporte alternativo. De Brasília, em cima de uma bicicleta, o ministro das Cidades, Marcio Fortes, prometeu investimentos na construção de ciclovias pelo país, mas não falou em números. A prefeitura de Curitiba interditou 15 ruas da região central, porém, os transtornos no tráfego fizeram com que elas fossem liberadas três horas antes do previsto. Na capital paulista, a comum lentidão dos veículos não se alterou. Por todo o país, ativistas fizeram campanhas para conscientizar a população. O Dia Mundial Sem Carro foi criado em 1998, na França. Dois anos depois, vários países europeus seguiram o mesmo caminho. Enquanto o Brasil tenta encaixar a proposta em seu calendário, no outro lado do oceano a idéia já se expandiu, se tornando na Semana Europeia de Mobilidade.

* Fotos por Bernardo Camara

Atalhos
Transporte Ativo 
Semana Europeia de Mobilidade 

  • Bernardo Camara

    Bernardo Camara é jornalista formado pela PUC-Rio. Desde 2007 dedica-se a temas ambientais e de direitos humanos. Viveu por 4...

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