Reportagens

De denunciante a ré

Prisão de defensora de causas ecológicas no Paraná gera polêmica e mobiliza ambientalistas. Elma Romanó é acusada de chefiar esquema que vitimou 1,4 mil hectares de araucárias.

Romeu de Bruns Neto ·
9 de novembro de 2007 · 16 anos atrás

Uma operação policial denominada Floresta Negra, ocorrida há duas semanas, deixou os ambientalistas paranaenses indignados. Deflagrada pelo Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), da Secretaria Estadual da Segurança Pública, a ação, surpreendentemente, colocou atrás das grades uma pessoa que é uma notória defensora de causas ligadas ao meio ambiente: Elma Romanó, ex-chefe do escritório regional do órgão ambiental paranaense, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP).

A Operação Floresta Negra executou uma série de mandados de prisão na região de Ponta Grossa, no Paraná, na última semana de outubro. Além de prender fazendeiros e madeireiros, os policiais também detiveram funcionários públicos supostamente envolvidos em um esquema de venda de autorizações para corte de araucárias. Essa espécie de pinheiro, tida como símbolo do Paraná, foi praticamente varrida do mapa após décadas de descaso governamental aliado à expansão do agronegócio e à extração de madeira.

Hoje, estima-se que resta menos de 1% da cobertura original de araucárias. A lei proíbe totalmente o corte da mata nativa, mas a derrubada de árvores plantadas é possível mediante autorização do IAP. Segundo a polícia, o esquema que ocorria em Ponta Grossa envolvia a venda dessas autorizações e teria movimentado R$ 8 milhões e desmatado 1,4 mil hectares de florestas. Ao todo, a polícia autuou 16 proprietários rurais, seis madeireiros, um suposto fiscal do IAP contratado irregularmente, quatro funcionários públicos e um engenheiro florestal autônomo.

As suspeitas de irregularidades na região não são recentes. O diretor executivo da ONG SPVS, Clóvis Borges, lembra que foi o governador Roberto Requião quem, ainda em seu primeiro mandato, nomeou Elma para moralizar o escritório regional do IAP. “A Elma é provavelmente a figura que, no Paraná, mais confrontou interesses ligados à depredação do patrimônio natural do estado. Em 30 anos de carreira, demonstrou um perfil extraordinariamente reto no cumprimento de suas funções. Por isso, sua prisão pode até estar fundamentada em documentos, mas não faz o menor sentido em relação ao histórico dela. Há indícios de que houve uma orquestração”, afirma.

Na defesa da ambientalista, entidades não-governamentais do estado organizaram um fórum, sob a coordenação de Vitório Sorotiuk, ex-presidente do Instituto de Terras Cartografia e Florestas, órgão que mais tarde converteu-se no IAP. Representantes do fórum reuniram-se na última segunda-feira (5) com o atual presidente do IAP, Vitor Hugo Burko, pedindo a soltura de Elma Romanó e o direito de responder em liberdade às acusações.

Na oportunidade, Burko apresentou cópias do processo e das denúncias enviadas à Secretaria de Segurança Pública e que deram início à investigação, no mês de abril deste ano. Segundo ele, assim que o IAP recebeu denúncias de irregularidades no escritório de Ponta Grossa, a então chefe da regional foi chamada para dar esclarecimentos mas, nas palavras de Burko, “ao invés de auxiliar no processo, a funcionária apresentou uma carta de demissão com denúncias genéricas sem indicar pessoas, apontar locais ou relatar fatos”.

Fundamentalmente, a tese defendida pelo governo é a de que Elma só teria denunciado irregularidades assim que percebeu que seria investigada. Mas o advogado da ex-chefe do escritório regional do IAP, Dálio Zippin Filho, garante que ela vinha fazendo denúncias desde 2004, quando assumiu o cargo. “Ela queria acabar com as maracutaias e por isso fez denúncias ao Ministério Público, à Polícia Federal, ao próprio IAP. O governador chegou a ler um e-mail escrito por ela, pedindo providências, durante a reunião semanal do governo e também na reunião da Operação Mãos Limpas (iniciativa do judiciário e do executivo paranaenses para combater a corrupção no estado), mas nada mudou”, aponta o advogado.

De acordo com Zippin Filho, assim que a quadrilha foi presa, seus integrantes, para se defender, disseram que Elma Romanó seria a chefe do esquema e que estaria fornecendo licenças ambientais em branco. Ela, entretanto, afirma que as assinaturas nos documentos não são suas e o advogado sustenta que nenhuma perícia foi realizada sobre a autenticidade desses papéis.

Segundo a polícia, 25 licenças ambientais estariam irregulares e outras 150 estão sob suspeita. Zippin Filho reconhece que nem todos os processos de licenciamento passavam integralmente pelas mãos de sua cliente. Enquanto era chefe do escritório, Elma foi constantemente ameaçada de morte e trabalhava com colete a prova de balas, o que limitava suas idas a campo. “Era impossível para ela vistoriar todas as áreas. Se um fiscal do IAP lhe dizia que os pinheiros a serem cortados haviam sido plantados, ela tinha que confiar”, acrescenta Zippin.

Hoje, Elma Romanó e outros três envolvidos continuam presos, enquanto os demais envolvidos obtiveram habeas corpus. Agora, o advogado dela tenta obter uma liminar que lhe garanta a liberdade provisória. O recurso, segundo o desembargador Noeval de Quadros, do Tribunal de Justiça do Paraná, deverá ser julgado dentro dos próximos 15 dias. “O mérito não está em questão, apenas o cabimento ou não da prisão preventiva”, informa o magistrado.

* Romeu de Bruns é jornalista free-lancer em Curitiba.

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