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Aqui se faz, aqui se paga

Peixoto de Azevedo (MT), que prosperou às custas de florestas, solos e rios na época do ouro, apela para ter água. É a seca nordestina dando o ar de sua graça na Amazônia.

Juliana Michaela ·
27 de agosto de 2007 · 17 anos atrás

A estiagem comum nesta época do ano em Mato Grosso tem provocado na porção amazônica do estado uma situação inesperada. Há um mês falta água em Peixoto de Azevedo, município fundado às margens da BR-163 (Cuiabá-Santarém) onde dificilmente no passado seria possível imaginar algo assim. Ele está localizado na bacia hidrográfica do rio Teles Pires, umas das principais da Amazônia, região que apresenta também escassez de floresta. A situação pode se tornar mais freqüente com o aumento do desmatamento, com cada vez menos chuvas.

As condições são mais graves no distrito de União do Norte, onde poços e açudes estão vazios. Animais e plantações já sucumbem à seca e para arrumar água os moradores precisam pedir ajuda a caminhões-pipa, que retiram a 75 quilômetros de distância, no rio Peixoto de Azevedo, que está com volume mais baixo do que o normal. De acordo com Vânia Gouveia, diretora de uma escola municipal, o mesmo veículo que atende à população também é usado para combater queimadas. “Outro dia o caminhão teve que apagar fogo na mata, daí ficamos sem água na escola”, relata. Tudo isso levou o prefeito Hermenegildo Bianchi Filho a decretar no último dia 23 de julho situação de emergência no município. Só que até agora a Defesa Civil de Mato Grosso não foi comunicada oficialmente, razão pela qual ainda não tomou nenhuma atitude.

Segundo Hermenegildo Filho, a seca já atinge 15 mil pessoas, ou 40% do município, em áreas urbanas e rurais. Ele vê com clareza que conforme os dias passam, a situação piora. Mas resiste em se convencer de que o problema não é apenas uma laje no subsolo que impede a perfuração da terra. “É urgente a necessidade de furar poços artesianos, precisamos que o governo do estado nos auxilie com essa situação”, apela o prefeito. Apesar da paisagem desoladora de riachos secos, pastagens e animais mortos, parece ser difícil para ele perceber que quase 30 anos de degradação ambiental estejam revelando agora algumas conseqüências à população local.

Solo precioso

Peixoto de Azevedo ficou conhecida como uma das cidades mais prósperas de Mato Grosso no final dos anos 80 por causa dos garimpos de ouro que destruíram velozmente os solos e margens dos rios. No final daquela década, a extração ali garantiu ao estado mais de 150 toneladas de ouro e o título de campeão da exploração aurífera no país. Quando a onda passou, ficou a destruição. De acordo com levantamentos do Instituto Centro de Vida (ICV) até o ano de 2005, o distrito de União do Norte acumulou uma área desmatada de 39% ou 101.744 hectares. O município inteiro apresenta uma taxa de 16,6% de desflorestamento e nada menos que 169 focos de calor identificados entre 2006 e 2007. “Aspectos regionais e globais incidem sobre mudanças no regime hídrico, como desmatamentos, queimadas, remoção de mata ciliar e o garimpo, que em Peixoto de Azevedo teve impacto local”, explica Roberta Roxilene dos Santos, geógrafa do ICV.

“Com uma diminuição da camada de argila, retirada pelos garimpos e pelo desmatamento, a água agora cai e vai embora. Não tem um rio que resistiu com seu leito original após ação do garimpo”, completa o professor de engenharia florestal Carlos Alberto Moraes Passos, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Um problema sério de quem quis destruir a natureza justamente nessa região, que apresenta condições particularmente difíceis para obtenção de água subterrânea. Segundo o geólogo Renato Blat Migliorini, da UFMT, ali não é mesmo muito fácil encontrar água perfurando poços artesianos de qualquer maneira. “Nesse tipo de rocha, que é dura, a água fica armazenada nas rachaduras e só com muitos estudos é possível saber se existe ou não uma fratura através da qual ela poderia ser retirada”, esclarece.

Também na área de Peixoto de Azevedo existem rios naturalmente intermitentes, que só têm água na época das chuvas. A população sabe disso, mas estranha a situação deste ano. “Moro no distrito de União do Norte há cinco anos e desde que cheguei sempre buscamos alternativas para obter água. Mas antes, os rios não secavam como agora”, testemunha Vânia, a diretora da escola. Morador na cidade desde 1996, o professor Moacir Costa Real relata que a região tem sofrido com falta d’água desde 1999. “Foi por causa do desmatamento”, reconhece. Agora, para achar água potável, a escola tentou perfurar a terra quatro vezes. A solução imediata foi exigir economia de água dos alunos, que levam garrafas próprias para terem o que beber. “A merenda escolar foi suspensa e servirmos bolachas e suco”, diz ele.

O Nordeste é aqui

Como em tantas outras situações, a solução é uma só: reflorestar, a começar pelas áreas de preservação permanente (APPs). E ter paciência. “É preciso selecionar as espécies florestais e os locais para o plantio, e esperar no mínimo cinco anos. Só assim o fluxo das águas poderá ser restabelecido”, opina Passos. Ele lembra que a vegetação é um agente que auxiliará na capacidade de armazenamento da água.

O prefeito afirma que existe um trabalho de reflorestamento no município, mas vê dificuldades em aplicá-lo no distrito de União do Norte. “Como é que os produtores poderão plantar e cuidar do gado no meio da mata? O distrito é uma área de assentamento do Incra, e a população vive ao longo das margens dos rios que foram desmatadas”, lembra o prefeito. “Além do mais, reflorestar é ação de longo prazo, precisamos de água agora”, diz. Nesse caso, o professor Passos orienta que é preciso fazer barragens e açudes para conter a água da chuva, além de conseguir achar os locais certos para perfuração de poços artesianos. Estratégias que todo nordestino conhece e que agora têm chegado à região amazônica.

* Juliana Michaela é jornalista em Cuiabá.

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