Reportagens

A troco de nada

Estudo mostra que índices econômicos e sociais de áreas com e sem floresta na Amazônia são da mesma ordem. Após ganho rápido, resta miséria com esgotamento de recursos.

Eric Macedo ·
11 de agosto de 2007 · 17 anos atrás

O desmatamento da Amazônia não resultou em desenvolvimento econômico e nem em melhores condições de vida para a população da região. A conversão dos recursos naturais da floresta em toras, pastos, plantações e garimpos gerou uma prosperidade insustentável para a maioria dos municípios fundados onde antes havia mata. Segundo o estudo O Avanço da Fronteira na Amazônia: do Boom ao Colapso, realizado pelos pesquisadores Danielle Celentano e Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a floresta ocupada vive hoje o pior cenário: recursos naturais exauridos e manutenção ou agravamento da pobreza.

Os autores da publicação avaliaram dados dos municípios amazônicos em três diferentes etapas: com floresta, em processo de derrubada e desmatadas. Descobriram que a situação econômica e os índices sociais antes e depois do desmate são muito semelhantes. Há um súbito crescimento durante a extração de madeira, mas ele é seguido por um colapso econômico e ambiental onde imperam atividades incipientes, que não conseguem atender às demandas da sociedade. Os madeireiros deixam a área e a criação de gado se torna o único uso possível para o solo exposto – o que gera menos empregos e tem um prazo de validade determinado pela degradação da terra.

Em 2000, pesquisadores do Imazon elaboraram um modelo teórico para explicar este mecanismo de expansão da fronteira do desmatamento na Amazônia que foi batizado de “boom-colapso”. Agora Veríssimo e Celentano procuraram dados econômicos e sociais de toda a Amazônia que confirmassem o modelo. “Tudo se encaixa perfeitamente”, diz Veríssimo. Separaram os municípios da região em quatro áreas: as que ainda têm mais de 90% de floresta fora de áreas protegidas (florestais), as que apesar de fazerem parte da Amazônia Legal têm originalmente uma vegetação de cerrado (não-florestais), as que estão atualmente sob pressão e as já desmatadas (que derrubaram mais de 90% de suas florestas fora de áreas protegidas). Notaram que o padrão de ocupação é repetido em toda região amazônica, e as conseqüências também. (mapa crédito: Imazon)

“Esse padrão de ocupação não gera desenvolvimento genuíno, o que é atestado pela situação crítica dos indicadores sociais na região”, escreveram os autores. Há exceções ao modelo. A cidade de Sinop, no Mato Grosso, por exemplo, passou da derrubada à plantação de grãos, mantendo um bom padrão econômico. Mas, segundo Veríssimo, não há condições para que isso aconteça na maioria das cidades amazônicas, conforme se caminha para o interior da região. “Quanto mais para dentro, maior a quantidade de chuvas e menos apta é a área para agricultura”, explica ele. O caso de Sinop se explica pelo fato de que o município se encontra numa área de transição com o Cerrado, mais seca.

“O problema é quando se encara a exceção por regra”, diz o pesquisador. Todo mundo quer ser Sinop. E com isso prefeitos e populações locais, na ânsia do ganho a curto prazo, apóiam avidamente o modelo do boom-colapso. “Por isso os cercos a hotéis onde ficam hospedados fiscais do Ibama, por exemplo”, diz. Os moradores vêem na manutenção da floresta um impedimento ao imenso ganho que poderiam ter, rapidamente. Não imaginam que suas terras não têm as mesmas características das cidades que se consolidaram economicamente. E acabam terminando, muitas vezes, com condições de vida pior do que tinham antes de desmatarem.

Veríssimo diz que a vida num município florestal não é a melhor que se poderia querer. É pobre. Mas não miserável. Há a pesca e a coleta de frutos na mata, que apesar das dificuldades de acesso à saúde, por exemplo, evita que se passe fome. Numa área desmatada, parte da população passa a realmente não ter o que comer. Quem ganhou muito com a extração madeireira consegue se manter. Quem não ganhou, fica sem nada. Aumenta-se a concentração de renda. “É o pior dos mundos”, conclui.

Poluição desproporcional

Veríssimo e Celentano trabalharam com dados referentes a demografia, violência, índice de desenvolvimento humano e produto interno bruto (PIB). Os números mostram uma Amazônia que representa apenas 8% do PIB nacional, mas gera 70% das emissões de gases do efeito estufa do Brasil uma vez que a maior parte da poluição do país é fruto das queimadas na floresta. E os números atestam que a destruição do recurso natural não gera benefícios. Nas áreas florestadas o PIB municipal médio em 2004 fechou em 40,7 milhões de dólares; em áreas sob pressão ele atingiu 93,6 milhões; mas onde não restava mais uma árvore em pé o PIB caiu para 46,1 milhões de dólares, índice praticamente igual ao das áreas não desmatadas. Segundo os pesquisadores, os municípios mais desmatados da Amazônia apresentam PIB inferior à média da região.

Economia nas zonas de ocupação da Amazônia (IBGE, IPEA e MT). i



1Excluem-se da análise as nove capitais estaduais. 2Letras diferentes significam diferença estatística de acordo com o Teste de Tukey (P<0,05).

Nos municípios amazônicos onde há pressão por desmatamento, não é apenas a economia e os empregos formais que crescem . Há um aumento significativo no tamanho da população, no número de imigrantes, na exploração de madeira e nos índices de violência. Entre 2003 e 2006, 43% dos assassinatos rurais na Amazônia aconteceram nessas áreas. Os dados representam realidades como a de Colniza, a cidade mais violenta do país, e Novo Progresso, onde, segundo Veríssimo, o boom ainda está no início. “Se o governo não tiver rédea, eles vão partir para cima do recurso”, diz.

Como ressalta o estudo, “O avanço da fronteira é marcado pelo desmatamento, pela degradação dos recursos naturais e pela violência rural. Em pouco mais de três décadas, o desmatamento passou de 0,5% do território da floresta original para quase 17%, atingindo cerca de 700 mil quilômetros quadrados em 2006. Pelo menos 14% dessas áreas desmatadas encontram-se degradadas e abandonadas (Arima et al. 2005). Além disso, áreas extensas de florestas sofreram degradação pela atividade madeireira predatória e incêndios florestais”.

Para Veríssimo, é preciso instituir políticas diferenciadas para cada uma das áreas. No curto prazo, investir na recuperação das economias das áreas degradadas, com projetos de reflorestamento e uma imperiosa regularização fundiária. Enquanto isso, nos municípios sob pressão, é preciso conciliar a conservação da floresta com a geração de empregos, estimulando o manejo florestal e estabelecendo mecanismos para o pagamento de serviços ambientais prestados pela floresta. Na zona florestada, o desafio é fechar o avanço da fronteira, com o estabelecimento de áreas protegidas, por exemplo. “Nessas áreas, não há por que haver desmatamento”, diz Veríssimo.

No longo prazo, diz o documento, é necessário mudar toda a base econômica da região. “A supremacia das atividades primárias com baixo valor agregado deve ser substituída por uma economia onde os produtos e serviços da floresta sejam valorizados e a renda dessas atividades contribua com a melhoria da qualidade de vida da população”, escrevem os autores.

Para Veríssimo, a atuação atual do Ministério do Meio Ambiente está no caminho certo, com o mapeamento e a instituição de políticas para as florestas públicas e o estabelecimento de unidades de conservação. Mas há um grande problema: a quantidade de recursos aplicada ainda está anos luz aquém do necessário. Enquanto isso, o colapso de municípios amazônicos faz com que o custo de mantê-los caia sobre toda a sociedade brasileira, com a dependência que essas áreas assumem do setor público. “São os pagadores de impostos de todo o país que sustentam os municípios quebrados”, diz ele. E é a nação que perde recursos naturais em troca de pobreza.

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