Reportagens

Os caminhos do fogo pelo Cerrado

Pesquisadora da UFABC reivindica mais pesquisa e aplicação do conhecimento no combate às queimadas em Parques Nacionais.

Nathália Clark ·
12 de novembro de 2010 · 13 anos atrás
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Com intenção de ampliar e contribuir com subsídios para a discussão sobre a necessidade de contenção do fogo que se alastra no Cerrado nos períodos de seca, a professora Helena França, do Centro de Engenharia e Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do ABC, em Santo André, São Paulo, realizou um trabalho de pesquisa que quantificou as queimadas ocorridas durante a estiagem de 2010 nos Parques Nacionais destinados à proteção do bioma.

O estudo é resultado de um levantamento feito com imagens de satélite, o norte-americano Landsat-5 e o IRS-P6 (Indian Remote Sensing Satellite). As unidades analisadas foram o Parque Nacional das Emas, Parque Nacional da Serra da Canastra, Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, Parque Nacional de Brasília, a Ilha do Bananal e seu entorno, e o Parque Nacional do Araguaia. Fora do domínio do Cerrado foi incluído também o Parque Nacional do Itatiaia.

Os números de agosto a setembro de 2010 mostram que o Parque das Emas foi o maior prejudicado, chegando a 91% dos 1.330 km2 de área queimada. A Chapada dos Veadeiros vem em seguida, com 77% de sua área total (660 km2) atingida pelo fogo; o Araguaia, com 5.500 km2, teve 56% queimado; a Serra da Canastra teve queima de 42 % em quase 2.000 km2 de extensão; Chapada dos Guimarães e Parque Nacional de Brasília foram menos prejudicados, mas com perda de 35% e 36%, respectivamente.

Antes destes, os últimos incêndios catastróficos ocorreram na Chapada dos Veadeiros, em 2003 e 2007; no Parque Nacional de Brasília, também em 2007; e no Parque das Emas, em 1994. De acordo com a professora, a formação dessa conjuntura propícia ao fogo se deu por uma série de fatores, mas principalmente por conta da situação meteorológica extrema em 2010.

 
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“No Parque das Emas, por exemplo, observa-se em média de dez a doze queimadas naturais por ano, causadas por raios, e elas acabam formando um mosaico de queima e funcionando como um aceiro natural. Porém, tivemos, nos últimos anos, uma situação anômala. Em 2008 não houve nenhuma queimada natural e, em 2009, pouquíssimas, de pequenas dimensões. Então viemos acumulando biomassa e, em 2010, tivemos uma seca. Como agravante, os aceiros internos do Parque não haviam sido feitos e o fogo se alastrou rapidamente, sem encontrar barreiras. Esse conjunto de fatores desencadeou o incêndio catastrófico”, explicou.

Para Helena França, não é só a questão do plano de manejo em si e do descaso, “existe um fator que está além do nosso controle, que nenhum plano prevê”. Segundo ela, o que devemos pensar é: se voltar a acontecer essa situação, o quê fazer.

Segundo ela, o Parque das Emas é o único que possui um plano de manejo de fogo com base científica, os demais são “superficiais e genéricos, e nem chegam a considerar o papel ecológico que o fogo possui para o Cerrado”.

A pesquisadora frisa duas deficiências principais no controle do fogo nas unidades de conservação: “falta pesquisa e falta coragem!”. Ela afirma que não é fácil fazer um plano de manejo, e que não há uma fórmula, mas que necessariamente deve-se partir de uma base científica, de pesquisa e que ele precisa ser revisto e ajustado periodicamente..

“O que há de pesquisa na UnB já tradicionalmente com bastante conhecimento acumulado é ignorado na elaboração dos planos de manejo das unidades de conservação. Então além de novas pesquisas, falta aplicação do conhecimento já existente”, declarou.

Para a Serra da Canastra, a professora lembra ainda da questão fundiária: “Lá não são só as questões de pesquisa ecológica, manejo de fogo, dinâmica do fogo no cerrado, há uma questão fundiária na qual mais da metade do parque é ocupada (dos 1978 km2, apenas 700 são regularizados), não houve indenização, há um histórico de violência muito grande…”.

Falta de funcionários

Outros problemas são apontados pela professora como cruciais: a falta de funcionários nos parques, bem como de equipamentos e instalações adequadas. Não temos torres de observação, e muitas vezes nem caminhão-pipa dentro dos parques. A sobrecarga de atribuições dos funcionários é enorme, já que cuidam não só do parque, mas também do entorno.

Segundo ela, é praticamente impossível avaliar com rigor as conseqüências dos incêndios, pois tampouco existem programas de pesquisa e monitoramento contínuo do impacto na biodiversidade e nos processos ecológicos nessas unidades. “O parque das Emas, por exemplo, foi fechado para visitação, devido à ‘ameaça a biodiversidade em recuperação’, mas não existe nenhum programa de monitoramento de impacto antes ou depois das queimadas. E os visitantes acabam sendo punidos por isso”, afirmou.

Mestre em sensoreamento remoto pelo Inpe e doutora em ecologia pela USP, Helena França destaca que os resultados apresentados no documento, “embora apenas descritivos, reforçam a necessidade de discutir e rever com urgência o manejo do fogo em nossas unidades de conservação de proteção integral”.

Para ver o documento na íntegra basta acessar o link:

http://www.ufabc.edu.br/images/stories/comunicacao/queimadas-2010-1.pdf

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  • Nathália Clark

    Nathalia Clark é jornalista na área de meio ambiente, desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas, justiça social e direitos humanos.

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