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Rio Jauaperi – Desde 2006, o processo para a criação da Reserva Extrativista (Resex) Baixo Rio Branco-Jauaperi, que deve ocupar cerca de 600 mil hectares distribuídos entre os municípios de Rorainópolis, em Roraima, e Novo Airão, no Amazonas, estava parado na Casa Civil. No entanto, em fevereiro deste ano o processo migrou para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e atualmente encontra- se no departamento de áreas protegidas do Ministério do Meio Ambiente (MMA). A região é considerada prioritária para conservação pelo MMA por ser dona de rica biodiversidade composta, inclusive, de espécies endêmicas. (leia box ao lado para ter mais detalhes sobre este assunto).
A Rede Rio Negro, formada por Instituto Socioambiental (ISA), WWF-Brasil, Fundação Vitória Amazônica (FVA) e Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), entre outras organizações, afirma que pelo menos até fevereiro, quando o processo ainda estava na Casa Civil, não existia nenhum impedimento legal para que a reserva extrativista fosse criada. Procurada inúmeras vezes pela reportagem, a Casa Civil optou por não falar sobre o assunto.
Para Carlos Dantas, analista ambiental do Ibama e que antes atuava no ICMbio, onde acompanhou de perto o processo de criação da Resex, “a morosidade do governo federal não passa de estratégia do PT, que não quer perder apoio político de deputados federais, senadores e de Roraima”. De fato, quatro carnavais se passaram e a reserva nunca saiu do papel. “Em ano eleitoral e tendo tanta gente hoje contrária à criação de novas unidades de conservação, não é de se estranhar que o processo continue parado”, afirma Carlos Durigan coordenador executivo da FVA.
Informações desencontradas
Os governos do Amazonas e de Roraima evitam dar declarações, embora já tenham sinalizado suas posições. “Inúmeras vezes entramos em contato com Nádia Ferreira, secretária de meio ambiente do Amazonas. Há muito tempo ela se comprometeu em nos enviar um documento oficial apoiando a criação da Resex, mas até agora não recebemos nada”, afirma Marina Antogiovanni, do ISA. A reportagem de ((o))eco fez diversos pedidos de entrevistas com Nádia Ferreira, mas também não recebeu nenhum retorno de sua assessoria de imprensa.
Procurada pela reportagem, Luciana Surita, presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia de Roraima (Femact) informou por meio de seu assessor que como a Resex é uma unidade de conservação federal, “o procedimento de criação é de responsabilidade do ICMBio”. Já Haroldo Amoras, secretário estadual de planejamento e desenvolvimento de Roraima, informou que como até o momento seu departamento não recebeu nenhum documento oficial a respeito da Resex, ele não poderia se manifestar.
No entanto, em janeiro deste ano (em uma das poucas manifestações públicas sobre o tema), ele declarou ao jornal Folha de Boa Vista que onde seria a reserva já existe uma área de proteção ambiental demarcada, “um instrumento de proteção e preservação ambiental naquela região”. De acordo com Carlos Dantas, ele se referia à APA Rio Branco . “A APA tem um milhão e quinhentos mil hectares, não foi implementada, nela não existe gestão e o conselho existe, mas não é atuante. Ela foi criada com o intuito de inviabilizar a proposta da Resex”, afirma Dantas. Na declaração ao jornal, Amoras também afirmou que a sociedade roraimense “vai se mobilizar contra a criação de unidades”.
Conforme explica a Rede Rio Negro, a resistência do governo de Roraima pode ter inúmeras razões. “A região proposta para a criação da Resex encontra-se em sua maior porção dentro de Roraima, é uma área essencialmente florestal e, por isso, vista pelo estado como importante para a exploração madeireira”, afirma Marina, do ISA. Os planos do governo envolveriam, ainda, a conclusão da chamada “estrada perdida”, um caminho entre a BR-174 (Manaus-Boa Vista) e a comunidade Santa Maria do Boiuçu, às margens do rio Branco. Parte da obra passaria ao norte da área onde se pretende criar a Resex. Fala-se, inclusive, na criação de assentamentos e de uma rodovia estadual (RR-221) que também cortaria a área da reserva e promoveria a colonização e a expansão da agroindústria.
Enquanto o governo de Roraima evita falar no assunto, o governo do Amazonas silencia e o ICMbio afirma que a criação desta Resex é “prioridade”, ao lado da Floresta Nacional de Jauaperi porque, conforme diz Rômulo Mello, diretor do Instituto, “os projetos dessas duas unidades estão em fase de finalização, dependendo só de alguns ajustes”. Para deixar este quebra-cabeças mais interessante, Fábio França, diretor de áreas protegidas do Ministério do Meio Ambiente, afirma que o processo está em seu departamento e que, no momento, aguarda uma posição do governo roraimense para dar prosseguimento à criação da Resex.
“Estas posições já existem: Roraima é contra e Amazonas não é, já que grande parte da reserva não ficaria em seu território. O MMA tem feito isso porque não se interessa em criar esta unidade de conservação por questões políticas. Este processo está parado e esquecido”, contra-argumenta Dantas. Para ele, enquanto os órgãos oficiais não afinam o discurso entre si a respeito da criação da Resex Baixo Rio Branco-Jauaperi “os ribeirinhos permanecem abandonados à própria sorte”.
Desarticulação e violência
Em reservas extrativistas, não moradores são proibidos de pescar peixes, quelônios e retirar madeira, entre outras formas de exploração de recursos naturais, a não ser que parcerias com pessoas de fora estejam previstas no plano de manejo – que também pode permitir aos comunitários que residem nesta categoria de unidade de conservação usar recursos para fins comerciais, além de subsistência. Isso tudo é visto com bons olhos pela maioria dos moradores de dez comunidades da região que, juntas, contabilizam quase 200 famílias. No entanto, incertezas sobre a criação desta Resex não ficam apenas no campo político. Elas também adentram a vida de quem mora na floresta e têm gerado sérios conflitos locais.
“Dizem que com uma Resex aqui a gente não vai poder tirar madeira”, afirma Albertino Palheta da Silva, 33 anos, morador da comunidade Itaquera. Já para Elton Lute da Encarnação, 31 anos, da Xixuaú, “é melhor uma árvore em pé do que derrubada. Em pé, eu posso fazer turismo, preservar para estudo. Se ela cair, só vai trazer benefício uma vez”. Amélia Ferreira Perez, 48 anos, vive na comunidade Samaúma e concorda com Elton. “Se dependesse de mim, a reserva já estaria feita. Vou lutar pela criação dela até o último minuto”.
A tensão que envolve a criação da Resex Baixo Rio Branco-Jauaperi tem gerado ameaças entre os próprios ribeirinhos. Rozan Dias da Silva, 41 anos e pai de duas crianças, é agente ambiental voluntário, já foi ameaçado de morte mais de uma vez por membros de sua própria comunidade e por pescadores ilegais. Este ano, parte de sua casa foi depredada. “Isso acontece porque a gente tenta preservar o peixe e o quelônio para nossos filhos e as futuras gerações. Eu e meus colegas somos uma família. Se eu largo esta luta, eles vão seguir em frente, então eu prefiro continuar junto com eles. Tem que arriscar a vida para garantir a vida aqui” – afirmou isso com uma calma impressionante enquanto estava sentado na varanda em frente à sua casa.
A insegurança provocada pelas polêmicas em torno da criação da Resex pode ter sido uma das causas que levou ao incêndio, em 2008, da casa de Chico Caetano, na comunidade Floresta, isso sem falar no assassinato de José Santos Cruz, voluntário do Ibama morto a tiros em 2006. “José morreu devido a conflitos relacionados ao uso de recursos naturais. Se a Resex já tivesse sido criada e implementada, estes conflitos não existiriam mais ou seriam menores e ele provavelmente não teria sido assassinado”, afirma Marina.
Para piorar, moradores da área da reserva afirmam que o governo de Roraima já teria propagado inverdades para desestimular ribeirinhos e causar desarticulação política nas comunidades. Há rumores de que funcionários públicos seriam despedidos, de que faltariam energia elétrica e professores na escola, de que quem desistisse deste processo de criação da Resex ganharia lotes de terras, entre outras coisas. Enquanto o governo federal não cria a Resex, a situação dos ribeirinhos piora a passos largos.
Pesca e riscos à biodiversidade
A biodiversidade da região
A região é conhecida por sua rica biodiversidade. Possui três tipos de águas: cristalinas (afluentes do Jauaperi), branca (Rio Branco) e negra (Rio Jauaperi e Rio Negro). É composta por florestas inundadas e de terra firme, onde são encontradas 42 espécies de mamíferos, entre as quais pelo menos dez correm perigo de extinção, como onça- parda, ariranha, tatu-canastra, macaco-aranha e peixe-boi, além de quelônios como o cabeçudo, ameaçado pela pesca ilegal. A ictiofauna também é significativa. Por lá são vistos jaraqui, pacu, tucunaré, barbado, piranha, sardinhão, surubim e até peixes ornamentais, caso do acari, bodó-pintado, borboleta e acará-disco. A região abriga, ainda, espécies de flora como açaí, andiroba, buriti, castanheira e taperebá, além de cipó e massaranduba. De modo geral, entre elas encontram-se plantas medicinais, frutíferas e as que normalmente são utilizadas pelos comunitários para a produção de artesanatos. |
Pescadores comerciais têm disputado a já quantidade preocupável de peixes naquelas regiões com comunitários. Barcos de pesca ilegais têm sido vistos constantemente na região. “As redes são colocadas por canoas nas margens opostas do rio e capturam todos os animais que passam, entre jacarés, botos, quelônios, peixes e arraias. Os pescadores então escolhem os peixes que lhes interessam e dispensam no rio os outros animais já fracos e machucados ou mesmo mortos”, afirma o WWF.
Ainda de acordo com um comunicado da ONG, “ribeirinhos que moram nas comunidades ao longo do rio Jauaperi contam que a pescaria diária que antes levava meia hora, agora leva três. O pirarucu, peixe típico da Amazônia, já não é mais encontrado lá. Os quelônios, antes abundantes, também estão ameaçados”. Para compreender melhor a questão da pesca na região, leia a reportagem A pesca continua em Jauaperi.
Enquanto o processo de criação da Resex migra sobre as mesas de Brasília, moradores da região vão, aos poucos, perdendo as esperanças de ver a Resex Baixo Rio Branco-Jauaperi sair do papel. “Há um grande desânimo e descrédito por parte dos moradores. Em 2009 e início deste ano houve muitos conflitos em relação à invasão do rio por barcos pesqueiros predatórios. Mesmo com uma decisão judicial de proibição da pesca no Jauaperi, as invasões continuaram e devem permanecer neste próximo verão, acirrando a tensão”, afirma Durigan.
Para a Rede Rio Negro, os conflitos no Jauaperi – pesca ilegal, danos à biodiversidade, ameaças de morte e violência – poderão não cessar enquanto o governo federal não criar esta Resex e muni-la da necessária governança, o que inclui implementação, gestão e fiscalização de seus recursos naturais. De acordo com o WWF, o governo brasileiro assumiu perante a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) o compromisso de proteger 30% da Amazônia brasileira em unidades de conservação. Para chegar a esta meta, ainda faltariam cerca de 14 milhões de hectares.
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