Reportagens

O pior momento do Projeto Peixe-Boi

Após a morte de dois filhotes nas instalações do Centro de Mamíferos Aquáticos, disputa entre gestores da iniciativa vem à tona.

Celso Calheiros ·
6 de setembro de 2010 · 14 anos atrás
Tanque inacabado. Disputa entre centro do ICMbio e fundação
acabou em quebra de contrato. (foto: Celso Calheiros) 

Recife – Trinta anos depois de criado como iniciativa nacional para pesquisar e apoiar a conservação de um dos mamíferos marinhos mais ameaçados do planeta, o Projeto Peixe-Boi vive o seu pior momento. A má fase chega quando o projeto atinge a maturidade, ganha recursos humanos, instituições engajadas e dinheiro. A soma, entretanto, é um resultado adverso.

 

Fotos enviadas pela atual chefe do CMA
indicam que a situação dos tanque
estava crítica (fotos: Fábia Luna)

O patrocínio da Petrobras Ambiental, de R$ 6 milhões pelo prazo de três anos, firmado com a Fundação Mamíferos Aquáticos (FMA), se transformou em justificativa para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) recusar o envio de recursos para o Centro de Mamíferos Aquáticos (CMA) em Itamaracá, na Região Metropolitana do Recife, Pernambuco. A chefe do centro, a bióloga Fábia Luna, disse ter ouvido “vocês não têm os recursos da Petrobras?” nas vezes que solicitou orçamento aos seus superiores – responsáveis pela gestão de 310 unidades em todo país. Os analistas ambientais sob o comando de Fábia e ela mesma, classificam de conflituosa a relação com os dirigentes da FMA. “Eles não ouviam nossos pareceres técnicos, se transformaram em burocratas sem ligação com a atividade fim”, resume.

Conflitos, desencontros, reuniões que não atingem o objetivo e acordos não cumpridos sobram nessa história. A presidente da FMA, Denise de Freitas Castro, recorda-se das várias vezes em que buscou o entendimento e saiu frustrada. No entanto ela prefere bater em outra tecla. Denise vê a morte de dois animais, os casos de convulsão em outros três e a transferência de três peixes-boi nascidos em cativeiro para a base em Porto de Pedra, litoral norte de Alagoas, como preocupantes. “Nesse quadro, estão priorizando os meio em detrimento do fim. Temo que a estratégia de conservação esteja sendo ameaçada”, afirma Denise.

Quem visita o Centro de Mamíferos Aquáticos, com seus 29 animais nos dez tanques e dois oceanários em Itamaracá, Pernambuco, vê claramente a degradação da infraestrutura. A necessidadede obras de manutenção e restauração é urgente. O caso mais crítico está nas duas passagens que servem para os peixes-boi mudarem de tanque nos maiores oceanários. Essas passagens têm infiltrações, suas ferragens oxidadas estão à mostra e as duas estruturas estão escoradas.

De acordo com a chefe do CMA, Fábia Luna e do analista ambiental Maurício Andrade, a situação do centro estava ainda pior. Eles encontraram ninho de ratazanas sob os tanques, o prédio onde está montado o museu servia de depósito de material descartado, a pintura do cinema estava descascada, entre outros problemas. Fábia e Maurício apontam para a fundação quando perguntados pela razão do abandono das estruturas. Denise e João Carlos Borges, da FMA, respondem que a responsabilidade pela manutenção física das instalações de um centro do ICMBio é…. do ICMBio.

Questão histórica

Foto acima: ferrugem e infiltrações nos tanques.
Terceira chefe do CMA em três anos, Fábia Luna
mostra o escoramento dos tanques que necessitam
de reformas (fotos: Celso Calheiros) 

É preciso voltar no tempo para compreender a falta de diálogo entre as duas instituições. O Centro de Mamíferos Aquáticos (CMA) e a Fundação Mamíferos Aquáticos (FMA) nasceram praticamente ao mesmo tempo, há 20 anos. Uma das missões da fundação era captar recursos para os trabalhos de conservação que passariam a desenvolver com o centro. Juntas, CMA e FMA montaram as instalações em Itamaracá, fizeram pesquisas sobre os peixes-boi marinhos, estudaram como as populações estavam distribuídas e trabalharam a divulgação da necessidade de se proteger a espécie junto aos pescadores e suas comunidades.

Desde 2000, pesquisadores têm indicado a necessidade de novas pesquisas, mais aprofundadas, uma vez que já foi adquirida uma primeira competência sobre o tema. É preciso conhecer e diagnosticar a viabilidade da conservação da espécie. Nesse período, foi consolidada a divulgação do projeto junto aos moradores das áreas litorâneas e criado um comprometimento dessas comunidades. A rotina do CMA e do FMA sempre conviveu com poucos técnicos e parcos recursos, de acordo com Denise Borges, no projeto desde 1993.

Em 2008, surgem fatos novos. O mais relevante foi a criação do ICMBio. Como toda instituição que ganha autonomia, busca se firmar junto à estrutura pública. O CMA também vive momentos de mudanças. Desde então, o centro teve três chefes. No mesmo período, vinte analistas ambientais tomaram posse no CMA.

Do lado da FMA, em 2007, foi concluída uma longa negociação com a Petrobras Ambiental. A FMA firmou um contrato de prazo mais longo, três anos e orçamento mais robusto: R$ 6 milhões. A Petrobras se tornou um financiador capaz de dar estabilidade a uma instituição que trabalhava com prazos mais curtos e captações mais frequentes.

O centro ganhou o corpo técnico que sempre pediu, a FMA recursos. O trabalho de conservação também começou a dar bons resultados: com mais gente, a campacidade de resgate de peixes-boi são mais frequentes, logo a quantidade de animais em cativeiro é maior. Aí começam os desencontros.

Tanque inacabado e contrato quebrado 

Do lado do CMA, a versão é que a fundação não ouvia as recomendações de seu corpo técnico e não liberava recursos para projetos necessários, entre eles o oceanário em formato de L. O argumento da FMA diz que o novo corpo técnico do CMA não os vê como parceiros (apenas como gestores dos recursos financeiros) e que foram feitas várias reuniões para se buscar o entendimento, nunca alcançado.

Mesmo em processo de distanciamento, foram reintroduzidos à natureza 12 animais e começou a se trabalhar a técnica de reintrodução imediata. Esse novo método prega que, encontrado um filho encalhado, tenta-se fazer a reaproximação do filhote com a mãe. Em caso de sucesso, observa-se por mais um período (uma semana, aproximadamente). Se houver novo encalhe, leva-se o filhote para Itamaracá para ele crescer em cativeiro.

Em abril, foi firmada a rescisão do contrato entre a FMA e o CMA. Com a ruptura, sobraram um tanque inacabado e acusações. Fábia Luna lembra cada etapa de obra parada, colocação de vidro inadequado, interrupção e outras passagens. Denise oferece detalhes técnicos. O principal é que o valor da obra sofreu saltos difíceis de serem acompanhados, mas prefere se concentrar nos problemas existentes na captação de água. A FMA contratou um técnico que diagnosticou a necessidade de se filtrar melhor a água captada para a construção do novo oceanário.

Indiferentes às discussões do CMA e FMA, os peixes-boi continuam criticamente ameaçados na natureza e até mesmo em locais insuspeitos, como o Centro de Mamíferos Aquáticos. Às vésperas do transporte de quatro peixes-boi para a base em Porto de Pedras, Alagoas, dois animais atestadamente sadios morreram e três tiveram quadro convulsivo. A Polícia Federal foi chamada e nem mesmo uma ação criminosa foi descartada. Os corpos dos animais mortos estão sendo periciados e outros exames são realizados. De acordo com os depoimentos dos especialistas do CMA e da FMA, dois fatores aparecem como suspeitos: a presença de ratos próximos aos tanques e a qualidade da água da captada para os tanques dos animais.

Leia também
“Dois mortos e algumas suspeitas”, reportagem do dia 24 de agosto sobre a morte dos filhotes no CMA

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