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Pesquisa avalia eficiência de corredores florestais para circulação de mamíferos no arco do desmatamento. Fragmentos menores que 10 mil hectares são inviáveis a várias espécies.

Andreia Fanzeres ·
24 de abril de 2008 · 16 anos atrás

As mudanças na paisagem provocadas pela conversão de florestas em áreas de pastagem são geralmente muito rápidas e visíveis. A biodiversidade que antes dependia da continuidade das matas simplesmente some dali. Quem pode, se refugia em remanescentes. Só que pouca gente se arriscou a estudar a fundo quais espécies efetivamente conseguem sobreviver e em que condições. É para investigar isso e a eficiência dos corredores de matas sobre diversos mamíferos, especialmente carnívoros de médio e grande porte, que a bióloga gaúcha Fernanda Michalski pesquisa a região de Alta Floresta (MT) há sete anos.

A escolha foi oportuna. O município reúne características muito propícias ao êxito do estudo. Num raio de aproximadamente 50 quilômetros da área urbana, é possível acessar pequenas e grandes propriedades rurais, que mantêm corredores de matas ripárias (as que protegem cursos d’água) mais compridos ou curtos, estreitos ou largos, ligando fragmentos florestais de todos os tamanhos. De meio hectare a matas intocadas. Para esta fase da pesquisa, Fernanda selecionou 20 corredores, muito diferentes entre si, para coleta de informações sobre a presença desses bichos. “Nosso objetivo é saber se os animais estão usando os corredores ou não, justamente para avaliar quão eficiente está sendo a nossa legislação, que pede uma área mínima na borda dos rios”, diz.

A rotina da pesquisadora, que recebe estagiários do Brasil inteiro, é puxada. Além de escolher as áreas com a ajuda de imagens de satélite, é preciso instalar equipamentos de monitoramento, percorrer trilhas, pastagens, em busca de informações. Tudo sem sequer chegar perto dos animais. “Não precisamos capturar, nem manipular. Conseguimos indícios da presença a partir de rastros, armadilhas fotográficas, relatos de moradores, e coleta de fezes, de onde extraímos seu DNA e mandamos para análise no laboratório de genética da PUC-RS”, diz a pesquisadora, integrante do Instituto Procarnívoros e vinculada ao departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo. Por sinal, o uso de dados de DNA das fezes são considerados pioneiros para pesquisas na região amazônica.

Primeiros resultados

Através desses métodos , a pesquisadora tem conseguido obter as primeiras respostas para suas maiores indagações. “Queremos saber se o uso dos fragmentos florestais está associado à presença de corredores ou não. As pessoas dizem que as onças andam pelos pastos. Mas não sabemos se não há uma preferência por um determinado tipo de hábitat”, diz Fernanda. De acordo com os primeiros resultados, as onças têm optado mais pelos corredores de matas do que pelas áreas abertas. “Sabemos que os bichos estão se movimentando, temos visto rastros e obtido fotos”. Mas nem sempre essa presença significa que ali as espécies são viáveis.

“Mesmo em áreas de floresta com 800 hectares, nunca encontraremos queixadas, de acordo com nossos dados”, constata a pesquisadora. Em porções de 100 hectares, a probabilidade de ocorrência de onça-pintada é inferior a 40%. Em compensação, com esse mesmo tamanho é praticamente certo encontrar macacos-pregos. Isso mostra que cada espécie apresenta graus diferentes de tolerância aos fragmentos. Mas mesmo os que têm mil hectares ainda não são suficientes para manter populações viáveis em longo prazo, afirma a pesquisadora. “Para essa região, uma área que considero razoável para aceitar a presença mais freqüente seria acima de dez mil hectares, dependendo da sua conectividade”, avalia. De acordo com a pesquisa, o tamanho dessas áreas determinou em 90% a variação do número de espécies encontradas até o momento.

Em seu monitoramento, Fernanda já se deparou com mais de 20 indivíduos entre jaguatiricas, onças-pintadas e pardas, cujas áreas de uso têm sido mapeadas e identificadas. O encontro com outros animais mais inesperados foi motivo de comemoração. “Após sete anos de pesquisa na região, fotografamos três indivíduos de cachorro-vinagre. Foi o primeiro registro confirmado dessa espécie”, destaca a pesquisadora. Também surpreendeu a presença de ariranhas naqueles corredores. Segundo ela, ainda não se pode dizer se este é um animal difícil de ver, pois a ariranha tem sido muito pouco estudada, principalmente na região amazônica e em situações de fragmentação.

Componentes econômicos e culturais

As informações passadas pelos próprios moradores também são importantes para o trabalho de Fernanda, que já realizou 245 entrevistas, aproximadamente. “Pelos nossos questionários até agora todas as pessoas reconheceram a importância das matas ripárias, na beira dos córregos. Algumas dizem até que se arrependeram de ter desmatado 30 anos atrás, porque não tinham conhecimento sobre as conseqüências”, lembra Fernanda. Problemas como falta d’água e erosão dos solos têm feito alguns proprietários colocarem a mão na consciência ultimamente. Segundo a pesquisadora, um indício desta mudança é a proibição, cada vez mais comum nas fazendas, da caça. “Hoje as pessoas não têm mais o hábito de matar anta, por exemplo. É um bicho que eles gostam de ver, acreditam que não dá prejuízo”, diz. Mas quando eles acham que dói no bolso, a reação é bem outra.

Fernanda provoca os proprietários perguntando em seu questionário se eles gostariam de ver onças-pintadas em sua propriedade. “Sim, desde que não nos dê prejuízo”, é a resposta que recebe com mais freqüência. A própria pesquisadora já demonstrou, em outros estudos, que esse dano é muito relativo. “Os proprietários de fazendas com mais de 1.500 cabeças de gado perdem em média menos de mil dólares por ano por causa das onças”, afirma. O problema, segundo ela, é que a morte de bezerros costuma ocorrer mais em uma certa época do ano, quando eles nascem. Esse “boom” assusta os fazendeiros, mas eles precisam entender que considerando o ano inteiro, as ameaças das onças são irrisórias. “As maiores perdas do gado são por questões de vacinação e problemas no parto”, lembra ela.

No campo, o trabalho de conscientização acaba acontecendo devagar, motivado inclusive pela própria presença da pesquisadora nas fazendas. “Ficamos cerca de 30 dias em cada área, arrumando as armadilhas fotográficas, coletando, conversando com as pessoas. No final do trabalho, eu entrego um relatório com as espécies que encontramos na propriedade, com fotos. As pessoas adoram”, diz Fernanda (agachada, na foto ao lado).

O estudo dos corredores pretende elucidar a maneira como os mamíferos de médio e grande porte se deslocam pela paisagem em áreas de fronteira agrícola. “Sem essa informação, não poderemos manejar ou conservar essas áreas, pois as espécies precisam co-existir com as pessoas”, conclui. Conforme seus levantamentos avançam, ela tenta chegar mais perto das respostas sobre o que acontece com essas populações após a fragmentação florestal. “É um grande quebra-cabeças. O maior desafio é evitar que a situação fique pior do que já está, e precisamos contar com a ajuda do proprietário”, considera.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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