Com tantos constituintes tóxicos, é fácil imaginar o problema que o biogás representa nos aterros. O uso de aterros sanitários, embora seja a alternativa mais viável de armazenamento e tratamento do lixo no Brasil – devido, principalmente, ao seu baixo custo, à facilidade de execução e à grande capacidade de absorção de resíduos – é apontado como uma das maiores fontes de metano liberado na atmosfera, contribuindo em grande medida para o agravamento do efeito estufa. Segundo dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), os aterros são responsáveis por cerca de 5% a 20% do total de metano liberado por fontes com origem em atividades humanas.
Além dos danos causados pelo agravamento do efeito estufa, lembra Ensinas, o biogás gerado pelos aterros e “lixões” pode representar riscos para o ambiente local quando não controlado devidamente. Nestas situações, ele pode migrar lateralmente para as áreas mais próximas ou mesmo emanar pela superfície, causando prejuízos à saúde humana e à vegetação, decorrentes da formação de ozônio de baixa altitude, ou à exposição de constituintes do biogás que podem causar câncer e outras doenças que atacam fígado, rins, pulmões e o sistema nervoso central. Isso tudo sem falar em seu forte cheiro, o que, segundo o engenheiro mecânico, pode causar distúrbios emocionais.
O lado bom dessa história, é que o metano pode ser coletado e utilizado como fonte de energia, justamente a técnica usada nas usinas termoelétricas instaladas em aterros. Nesses locais, o biogás pode ser usado para geração de calor, trabalho mecânico e eletricidade. O seu uso direto pode servir para abastecimento de uma rede local de gás canalizado ou para aplicações específicas em processos industriais, servindo como substituto de derivados do petróleo.
Usinas paulistanas
No aterro São João, o processo de implantação da Usina de Biogás – inaugurada oficialmente dia 25 de janeiro deste ano – começou em junho de 2007, com o início da operação de descontaminação do metano. Em seus 80 hectares e cerca de 26 milhões de toneladas de lixo estocadas, foram instalados mais de 30 km de tubulações especiais para a coleta do gás e construídos 126 poços conectados. A capacidade da usina é de 200 mil MW/h por ano, o equivalente ao consumo de uma cidade de 400 mil habitantes.
Tanto a Unidade de Geração de Energia de Bandeirantes quanto a de São João estão entre os cinco maiores projetos do mundo de controle de gases que causam o efeito estufa a partir do reaproveitamento do lixo. Aprovados pela ONU como Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) e dentro das normas do Protocolo de Quioto, os aterros podem, com isso, vender seus créditos de carbono aos países desenvolvidos que têm metas de redução de emissão de gases-estufa.
Segundo a Biogás Energia Ambiental, a concessionária contratada pela prefeitura para fazer a captação de gás, só o projeto no aterro Bandeirantes já deixou de emitir 2 milhões de toneladas de CO2 equivalente. De acordo com o diretor de desenvolvimento de uma das acionárias da Biogás, Manoel Antonio Avelino, até 2012, o Bandeirantes deixará de emitir 8 milhões de toneladas de CO2 equivalente. No aterro São João, a expectativa de geração de créditos de carbono é de 800 mil toneladas por ano, volume bem próximo ao que foi negociado no primeiro leilão de créditos de carbono da Bolsa de Mercadorias & Futuros, realizado no final de setembro de 2007.
Contestações
Quem também não vê com bons olhos a propaganda positiva que se fez em torno da instalação das usinas na capital paulista é o presidente da Comissão Especial de Estudos do Lixo de São Paulo, vereador Paulo Frange (PTB). Segundo ele há uma série de irregularidades por trás das iniciativas. Entre elas estão a existência de Licença Ambiental Precária nos aterros e a contaminação de vários dos poços abertos nas usinas.
“A idéia [da usina] é inteligente, mas não detemos toda a técnica com segurança. À medida que se extrai o gás, vai causando uma instabilidade no terreno e podem ocorrer desabamentos”, diz o vereador, em referência ao desabamento ocorrido no aterro São João em agosto passado. Segundo ele, as cinco estações de transbordo da cidade também operam irregularmente, pois não possuem o inventário epidemiológico da área. Procurada pela reportagem de O Eco, a assessoria da prefeitura negou todas as acusações e afirmou que os ataques do vereador Frange fazem parte de sua propaganda para tentar a reeleição no pleito deste ano.
Discussões políticas à parte, as termoelétricas alimentadas por metano parecem ser uma boa alternativa – ou a “menos ruim” – para os aterros. Enquanto o Brasil não acordar para a importância da reciclagem e para a produção controlada de seu lixo, a instalação de usinas movidas a gases de efeito-estufa continuará a ser a notícia menos desagradável a ser dada quando o tema do lixo estiver em pauta.
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