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O Rio continua lindo. Até quando?

Quer conhecer a fauna brasileira em seu habitat natural? Sugiro que corra. Em breve, só se poderá conhecer animais silvestres tupiniquins pela Internet.

18 de março de 2009 · 15 anos atrás
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Youtube, que maravilha de engenhoca! O historiador Nireu Cavalcanti enviou-me há poucos dias um filme de oito minutos sobre o Rio de Janeiro (clique na imagem e confira). Trata-se de um pequeno documentário, ao que parece filmado em 1932. Vem todo narrado no inglês empostado de um locutor fascinado com as belezas cariocas. O filme começa com uma tomada aérea da cidade, em cujas encostas não se vêm favelas, nem prédios, nem pedreiras, apenas o verde (ainda que em branco e preto). Depois, avança para outros pontos da cidade, babados um a um pelo narrador (que, no entanto, perdeu minha simpatia ao fazer um par de imperdoáveis alusões racistas). Que beleza, que maravilha, como era lindo o Rio de Janeiro!

Para quem é ligado à proteção ambiental, no entanto, a fita chama atenção por revelar passagens que denotam uma cultura difícil de mudar nesse Brazilzão afora. Duas em especial me marcaram. Na primeira, a câmera foca um papagaio no ombro de um camelô, depois abre a tomada para revelar um mundaréu de gaiolas. Em off, o locutor anuncia que o Rio tem “Market places that offer an infinite variety of tropical animals” (mercados onde se encontra uma variedade infinita de animais dos trópicos).

Com efeito, ali estão o macaco-prego, o mico e diversos pássaros. O locutor avança e explica que o mico é muito dócil, sugerindo ser um animal bom para se criar em cativeiro. Assegura ainda que se reproduz com facilidade, sendo comum suas fêmeas parirem tri-gemêos.

A outra sequência, que marca pela dureza da realidade, tem lugar na Floresta da Tijuca. Ali, em meio à mata exuberante, dois homens balançam freneticamente seus bambus em cujas extremidades estão afixados puçás. Em todo o redor, centenas de borboletas revoam desorientadas. O narrador garante que o vibrar dos bambus atrai as presas para as redes. E do filó as borboletas seguem direto para pequenos quadros decorativos, em cujos vidros são coladas. Dali, vão para os pontos de venda onde acabam nas mãos de afortunados turistas, que assim levam para suas casas um pedacinho da natureza brasileira.

De volta ao filmete, o locutor exalta a arte brasileira que ele chama de “butterfly industry of Brazil, país onde há mais de 700 espécies diferentes e de todas as cores”. A câmera então descortina algumas moças trabalhando com as borboletas mortas, preparando- as para serem afixadas em seus painéis de vidro e outras peças de decoração. Ainda segundo o narrador, a técnica utilizada garante a preservação das
cores, mesmo após a morte do animal.

A fita é da década de 1930, mas as práticas são recorrentes até hoje. O Brasil foi colonizado com o objetivo de ser um grande fornecedor de pau-brasil e outras madeiras de construção para o Reino. O termo madeira de lei vem dessa época. Se refere aos diversos regulamentos reais que foram editados para evitar que a extração desses paus fosse feita de maneira irresponsável. Afinal, o conceito de sustentabilidade não é tão recente como se imagina. Já naquela época era uma idéia bonita no papel, inexequível na prática. O pau-brasil foi extraído até sua quase total extinção.

Durante o período português, caçar não era apenas uma necessidade alimentar. Era sinônimo de diversão. Abatia-se animais pelo simples prazer de acertar em um alvo móvel. No Primeiro Império, D. Pedro I enviava troféus de caça à sua amada Duquesa de Santos. Não que ela ou ele precisassem. Não lhes faltavam hortas ou animas domésticos para encher a barriga. Ah, mas caçar é muito mais divertido.

Segundo Mário Filho, em pleno século XX, com o período português terminado há mais de um século, o zagueiro Fortes, do Fluminense e da Seleção brasileira de futebol, chegou a deixar de comparecer a mais de uma partida por que preferira ir caçar nas matas do Andaraí. No ano 2000, o Parque Nacional da Tijuca desbaratou mais de 60 acampamentos de caça. Nenhum deles era para subsistência. Ainda naquele ano, mais de mil borboletas mortas e prontas para a venda foram apreendidas na Pedra Bonita.

Recentemente, ao caminhar nas matas de Grumari deparei com um par de caçadores, com cachorros, espingarda e bandoleira. Trocamos dois dedos de conversa. Eram pequenos comerciantes de Santa Cruz. Caçavam pelo esporte. Não temem pela extinção da presa. Afinal, a natureza é pródiga e sempre há de prover.

Semana passada, a Polícia Federal desbaratou uma quadrilha internacional de tráfico de animais. Poucos dias depois a Polícia Militar do Rio de Janeiro apreendeu mais de 200 pássaros em uma feira ilegal. Os traficantes eram, em grande parte reincidentes, como repetitiva é a prática da caça no Brasil. Revoltado com a situação, o Ministro Minc pediu maior rigor da legislação. Está certo o Ministro. A prática (ao longo de mais de cinco séculos) tem mostrado que não há outra forma de combate ao crime contra a fauna e flora. Caçador impune é caçador reincidente. Fauna caçada, por outro lado, é fauna retirada da natureza para sempre. Não falta muito para que nossas florestas fiquem vazias e se transformem em florestas sem almas.

Apesar de aplaudir as declarações do Ministro, não sou otimista. O Brasil não consegue punir assassinos, estupradores, ladrões de alto coturno e sequestradores. O bandido preso hoje é solto amanhã. O condenado pela manhã é beneficiado por medidas de progressão de pena e está na rua à tarde. Os que nem assim conseguem sair da cadeia, “miraculosamente” acabam por fugir. O leitor quer conhecer a fauna brasileira em seu habitat natural? Sugiro que corra. Em breve só vai poder conhecer os animais tupiniquins na Internet. E viva o Youtube!

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