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Naturalmente, nem a E-9 ou alguma outra dessas trilhas de fazer Marco Polo salivar estão prontas. A idéia é que todas elas tenham sinalização e mapas padronizados e que respeitem regras européias de manutenção. Enquanto isso não acontece, as trilhas vão sendo tiradas do papel aos poucos, como se fossem colchas de retalhos. Sempre que possível, aproveita-se percursos já existentes, apenas modificando sua sinalização para adeqüá-la ao padrão europeu.
No caso de Portugal, a E-9 promete muito. Começará em pleno Algarve, no cênico Cabo de São Vicente, e avançará em direção ao norte pela costa, cobrindo aproximadamente 800 quilômetros coalhados de falésias, praias e florestas, além de cruzar diversas unidades de conservação. Hoje, estão sinalizados (ainda que o padrão de manutenção não seja lá essas coisas) cerca de 250 quilômetros. Outros ainda não estão propriamente marcados no terreno, mas não são de navegação tão difícil assim.
Nos últimos doze meses, percorri 132 quilômetros da E-9. Em um sábado livre fazia um trecho; durante a semana, em uma noite de verão, quando o sol se põe às dez horas, trilhava outra seção. Em um feriado prolongado mais tranqüilo, pegava o carro e cobria três trechos longos. E assim, posta por posta, venho esquadrinhando o litoral português. Não tenho me arrependido.
A E-9 ainda está em seus primórdios. Em um primeiro estágio, importa tirá-la do papel. A sinalização, baseada no modelo dos Grandes Randonés franceses, não é de fácil interpretação. A boa e velha setinha teria sido mais didática. Os responsáveis pela sinalização tampouco parecem entender muito do assunto e suas pinturas em pedras e árvores freqüentemente confundem mais do que elucidam. O traçado muitas vezes não é em trilhas propriamente ditas, mas aproveita aceiros, estradas florestais e caminhos rurais. Mas é assim mesmo.
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Como nos primeiros tempos da Appalachian Trail idealizada por Benton Mackaye, ou da Bibbulmum Track do australiano Jesse Brampton, a idéia está sendo concretizada como é possível. Ambas as trilhas, modelos de caminhadas de longo curso, também passaram por momento parecido. Primeiro, fez-se a ligação que as circunstâncias da hora permitiam, depois foi-se aperfeiçoando o traçado. Tanto a Appalachian quanto a Bibbulmun mantêm hoje menos de 10% de suas rotas originais. Com o tempo e a pressão dos usuários, os trechos de estradinhas foram sendo substituídos por trilhas, florestas comerciais foram transformadas em parques nacionais para dar passagem aos excursionistas e até terrenos particulares foram desapropriados por que abrigavam opções mais interessantes para a passagem desses percursos intermináveis.
Quero crer que assim também será em terras lusas. O que já percorri nos parques naturais da Costa Vicentina, da Arrábida, de Sintra-Cascais e da Arriba Fóssil da Caparica é de uma beleza singular. Além disso, o caminho está bem projetado. Leva o excursionista a locais de pernoite, incorpora rotas de escape a restaurantes e supermercados e passa na porta dos centros de visitantes da maioria das unidades de conservação que atravessa.
É verdade que a simpática funcionária que me atendeu no escritório do Instituto de Conservação da Natureza na Arriba Fóssil disse desconhecer a E-9 e me mandou procurar informações com a prefeitura local. Mas isso é outra história. A idéia é boa embora, seja nova para a cabeça de muita gente. É preciso dar tempo ao tempo para que ela germine e cresça forte e viçosa. Quem trilha não corre, contempla; sabe que o apressado come cru. E quem gosta de peixe cru não é lusitano, é japonês.
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