O Brasil assiste, hoje, a uma infinidade de iniciativas em âmbito nacional que remetem a mudanças no setor de transportes e, especificamente, na forma como consumimos o automóvel. Em 2010, quase metade (40%) das residências brasileiras continham um carro, uma frota de veículos crescente em 119% em apenas uma década, trazendo uma série de impactos sociais e ambientais ao refletirmos sobre a sua matriz energética, emissão de gases de efeito estufa e poluentes locais e a mobilidade urbana. Afinal, até onde vai o automóvel no Brasil?
Ação no Salão do Automóvel em defesa da etiqueta com consumo de combustível Fotos: Divulgação
O ano de 2012 foi marcado por processos fundamentais rumo a padrões mais sustentáveis de produção e consumo do automóvel. Um deles foi a Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei 12.587/2012), marco importante e desafiador para mudar a forma como nossas cidades estão sendo planejadas no que tange a mobilidade urbana. Importante citar que esta lei legitima entre suas diretrizes a priorização dos meios de transporte de propulsão humana e serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado. Isso permite um redesenho da estrutura viária nas cidades, acarretando em medidas que tirem o espaço do carro e incentive os modais mais eficientes e sustentáveis – a chamada transferência modal.
Consumo e emissões
A reorganização das cidades se faz necessária, inclusive, em um contexto em que o consumo de combustível pelos veículos é hoje o principal responsável pelas emissões dos Gases de Efeito Estufa (GEE) no meio urbano. Para mitigar os impactos atrelados a esse fato, contamos com o Plano Setorial de Transporte e Mobilidade de Mudança do Clima (PSTM), que congrega investimentos no setor de transportes que correspondem a uma redução de emissões de GEE de apenas 2% até 2020.
Em paralelo às medidas estruturais e culturais nas cidades, temos um gargalo em nossa demanda energética. Investimentos de alto impacto ambiental estão previstos para atender futuras demandas energéticas, como os casos emblemáticos da Belo Monte e o Pré-sal, sendo este segundo um próspero contribuinte para elencar o Brasil como maior emissor de GEE no mundo. Com isso, é evidente que a solução passa também por medidas de eficiência energética, o que inclui o setor automotivo e o consumo de combustíveis.
O governo respondeu parcialmente a essa realidade com a regulamentação do novo Regime Automotivo, conhecido como Inovar-auto, que estabelece incentivos fiscais para a indústria automobilística, com o diferencial de que nesta renovação estão contemplados critérios ambientais e a meta de eficiência energética de alcançar 135 gramas CO2/km em 2017 para os veículos comercializados no Brasil. Isso significa que os carros deverão até 2017 consumir em média 17,26 km/litro com gasolina e 11,96 km/litro com etanol. Metas ainda longe das 130 gramas CO2/km até 2015 ou ainda das 95 gramas até 2020 estabelecidas na Europa, porém um primeiro passo desafiador para a inovação tecnológica em eficiência energética no Brasil. Vale aqui uma reflexão metodológica de como aqueles que não cumprirem a meta terão que retornar com suas contribuições fiscais cedidas entre 2013 e 2017.
Um dos critérios estabelecidos pelo Regime Automotivo para que uma montadora possa ser elegível à aquisição dos incentivos fiscais é a participação no Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV). Tal iniciativa, coordenada pelo Inmetro, propõe uma etiqueta a ser colada no parabrisa dos carros apresentando o consumo do veículo, nos moldes das etiquetas comumente encontradas em geladeiras e ar condicionados. Embora seja um instrumento de extrema importância ao consumidor, o programa ainda é de caráter voluntário e, segundo pesquisa do Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – realizada em Setembro de 2012, apenas 11 modelos foram encontrados no mercado ostentado tal etiqueta. Com essas quatro medidas em perspectiva no Brasil, contamos com alguns desafios e questionamentos. Por um lado, para que a economia cresça se aposta em mais formas de incentivar o setor automotivo, porém, por outro lado, visa-se o estímulo de políticas estruturais da mobilidade urbana de modo a desestimular o uso do automóvel. Em meio a esse antagonismo, surgem metas pouco ambiciosas para a mitigação dos efeitos climáticos baseadas em investimentos pré-estabelecidos em programas governamentais anteriores ao PSTM, em consonância com programas voluntários como a etiquetagem veicular de estímulo a práticas responsáveis das empresas, que até o momento apresentam questionamentos e desafios se de fato estão informando adequadamente aos consumidores, bem como metas de eficiência energética caminhando ao lado de investimentos exaustivos na extração de petróleo. Fica evidente que a posição do Brasil com relação à mobilidade urbana e o automóvel está segmentada entre as agendas ministeriais, o que reflete na forma como entendemos o nosso crescimento econômico.Tais reflexões nos traz um verdadeiro paradoxo do consumidor-cidadão. Temos consumidores – expressivamente a nova classe C – com mais acesso a linhas de créditos para a aquisição de automóveis que contam, por sua vez, com incentivos fiscais para a indústria, porém, como cidadãos ainda se observam pouco acesso e má qualidade dos serviços públicos de transporte, de infraestrutura urbana para transportes de propulsão humana e pedestres, ações de mitigação de impactos ambientais resultantes dessa falta de planejamento urbano e outros elementos primordiais para a qualidade de vida em uma cidade sustentável. A visão de uma mobilidade urbana sustentável virá quando o governo estiver pronto para mudanças radicais – e necessárias – ao modelo rodoviarista tão estagnado e já provado equívoco no Brasil.
* João Paulo Amaral, mais conhecido como JP, é formado em Gestão Ambiental e há cinco anos decidiu trocar o carro pela bicicleta. Trabalha no Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, como pesquisador em consumo sustentável.
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