Colunas

Resex com Lula vira o Bolsa-Caranguejo

Boa chave para entender por que o governo não consegue ter uma políca ambiental que se possa levar a sério é o discurso do presidente Lula na Reserva Extrativista do Cassurubá.

12 de junho de 2009 · 15 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Ponha-se no colete do ministro Carlos Minc. Titular do Meio Ambiente, num governo que não é ambiente para essas coisas. Cercado de ministros hostis. O da Agricultura em campanha aberta pela desobediência do campo ao Código Florestal. O dos Transportes querendo asfaltar estrada na Amazônia sem licença ambiental. O de Assuntos Estratégicos garantindo, em inglês, que se a humanidade acabar com este planeta estará tecnologicamente habilitada a colonizar outros mundos.

E aí vem na sexta-feira passada o Dia do Meio Ambiente. O “seu” dia. Comemorado com a criação de três reservas extrativistas e de um monumento natural, como se fosse para marcar a era de recuos táticos que acabou com a tinta para fazer parques nacionais e outros modelos de conservação estrita na caneta do ministro.

Lula lá

Mas nem por isso deixava de ser uma boa data para sair da frigideira, subindo no palanque. E Minc montou uma festa no sul da Bahia, com a presenta do presidente Lula. Os jornalistas interessados em esquentar o dendê do ministro apostaram que Lula não compareceria. Ele fez pior. Compareceu, e chegou à solenidade soltando o verbo.

Foi lá para dizer que “é preciso discutir com mais seriedade a questão ambiental” e acabar com o “discurso simplista” em favor da natureza. O dele, juntando mais ou menos 3.500 palavras por associação livre, foi sem dúvida complexo. Teve de tudo. Desde a previsão de que o regime da terra arrasada pode inviabilizar a vida humana “daqui a 1 milhão de anos, daqui a 100 anos”, ao anúncio de que o pau-brasil “está extinto”, sem que os botânicos até agora tivessem notado. 

Ele soltou na brisa de Caravelas a noção de que os países ricos, habitados provavelmente por aqueles mesmos banqueiros de olhos azuis que outro dia mesmo quebraram a economia mundial, estão “carecas”. Ou seja, “não têm mais uma árvore”. Mas por isso deixam de circular em “carros da melhor qualidade” e comer “do bom e do melhor”. Desertificar deve ser bom. 

Lula, como se vê, voltou inspirado de sua recente viagem à Arábia Saudita. Mas, aqui, o problema é outro. E o presidente, no afã de “consertar todo o estrago que foi feito em cinco séculos neste país”, inaugurou uma reserva extrativista, a Resex do Cassurubá, com a exortação do progresso insustentável. 

Resex é um conceito meio frouxo, que encontrou na política ambiental o aconchego da autocomplacência. A Amazônia tem muita resex em listas de desmatamento. Como já disse o historiador Kenneth Maxwell, o nome “reserva extrativista” é em si mesmo um oxímoro, composto por um substantivo que significa guardar e um adjetivo que implica colher. Mas pelo menos a lei restringe seu uso à agricultura de subsistência, à criação de animais em pequena escala e à exploração sustentável de seus recursos naturais.

Para Lula, isso não faz diferença. Com a autoridade de quem, “até os dez anos de idade”, punha a mão em toca para catar caranguejo (ele até aproveitou para contar que foi um caranguejo quem lhe decepou o dedo mínimo da mão esquerda, até então debitado a um acidente de trabalho no torno mecânico), ele acenou aos pescadores de Cassurubá com melhores negócios que o puro e simples extrativismo. 

Segundo ele, basta esperar pelos turistas saírem de Caravelas dizendo que ali comeram “um peixe de qualidade, não poluído, um caranguejo de qualidade, um marisco de qualidade”. E os pescadores cairão de puçá sobre o mercado. Ele até sugeriu que o governador Jacques Wagner “vai comprar tudo para levar para a merenda escolar lá em Salvador, e daí por diante”. 

Ou seja, Lula foi saudar a Resex e instituiu o Bolsa-Caranguejo. Assim não há Minc que agüente.

Leia também

Notícias
25 de abril de 2024

Brasil registra o maior número de conflitos no campo desde 1985, diz CPT

Segundo os dados da Comissão Pastoral da Terra, país teve 2.203 conflitos em 2023, batendo recorde de 2020; 950 mil pessoas foram afetadas, com 31 assassinatos

Salada Verde
25 de abril de 2024

Acnur anuncia fundo para refugiados climáticos 

Agência da ONU destinará recursos do Fundo para proteger grupos de refugiados do clima. Objetivo é arrecadar US$ 100 milhões de dólares até o final de 2025

Salada Verde
25 de abril de 2024

Deputados mineiros voltam atrás e maioria mantém veto de Zema à expansão de Fechos

Por 40 votos a 21, parlamentares mantém veto do governador, que defende interesses da mineração contra expansão da Estação Ecológica de Fechos, na região metropolitana de BH

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.