Colunas

Ônibus escolar à italiana

Da cidade italiana que, para combater o sedentarismo e a obesidade infantil, livrou suas ruas e suas escolas dos automóveis e outros veículos supostamente indispensáveis para ir à aula.

3 de abril de 2009 · 15 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Lecco, na Lombardia, é o tipo do lugar que só mesmo na Itália passaria batido pelas excursões turísticas. Tem tudo a seu favor, fora o excesso de concorrência.

O ferry que sai de sua praça não leva meia hora até Bellagio, cidade do lago de Como onde a fundação Rockefeller paparica as celebridades acadêmicas de seus cursos e conferências internacionais. A pé, bufando serra acima por trilhas imemoriais, custa no máximo uma longa manhã inesquecível a subida aos refúgios que serviram de escola ao moderno alpinismo europeu, onde à noite se come polenta taragna em mesas comunais avistando, ao mesmo tempo, as montanhas postas por Leonardo da Vinci aos pés da Gioconda e as luzes metropolitanas de Milão.

Lecco já foi mais industrial e poluída, como berço histórico da siderurgia italiana. Fechou as fábricas ultimamente, abrindo em seus terrenos parques e jardins. Caminho natural para vales internos que ainda se chamam Pasturo ou Primaluna, sua posição estretégica na rota de fuga dos milaneses em fins-de-semana tornou-a intransitável nas tardes de domingo, até que, nos anos 90, as estradas passaram a atravessá-la por túneis subterrâneos.

Temporadas de caça

Em suma, é uma velha cidade que remoça sem parar, sem perder as marcas do tempo. Entre cumes brancos e rios verdes, junta ruínas romanas, vitrines contíguas com todas as grifes da moda italiana, restaurantes que, nas temporadas de caça, servem carne de passarinho e lojas do McDonald’s. Tudo junto no mesmo labirinto de quarteirões medievais.

Mas, dias atrás, Lecco entrou nas páginas do New York Times com outros trunfos de importância cosmopolita. A repórter Elisabeth Rosenthal foi lá ver o Pedibus, sistema de transporte escolar que leva diariamente a dez escolas primárias cerca 450 alunos, com “motorista”, mas sem ônibus. A condução sai por conta de guias que pastoreiam grupos de crianças, vestidas com jaquelas de cores berrantes, dessas de, literalmente, parar o trânsito. Todos a pé.

Numa das escolas citadas pelo jornal, a Carducci, metade dos estudantes – ou de seus pais – aderiu às caminhadas. Um dos entrevistados admite que, antes, fazia o percurso de carro, embora a distância, de porta a porta, mal passasse de 500 metros. A maioria dos trajetos, por sinal, não chega a um quilômetro e meio.

O secretário municipal de meio ambiente Dario Pesenti credita ao Pedibus uma economia total de 160 mil quilômetros rodados por dia. E toneladas de CO2. Diante desse argumento, com os ventos do aquecimento global soprando nas orelhas dos governos ao redor do mundo, a experiência de Lecco foi parar em outras praças, replicada por várias cidades italianas, francesas e inglesas.

Ela ensaia os primeiros passos nos Estados Unidos, onde Marin County, na Califórnia, e Boulder, no Colorado, oferecem subsídios oficias a quem se dispuser a caminhar ou pedalar entre a casa e a escola. Na terra do automóvel, em 1960, 40% dos estudantes dependiam das próprias pernas nos deslocamentos de rotina. Em 2001, só 13%.  

No Brasil, à falta de estatísticas como as americanas, os engarrafamentos diante de colégios particulares mostram que ainda vivemos muito longe de Lecco – que, aliás, inventou o Pedibus menos por inspiração ecológica, do que para debelar um surto de obesidade infantil, por excesso de comida e carência de exercício físico. E isso nos dá uma esperança. Obesidade, estatisticamente, é um problema que os brasileiros já sabem que têm.

Leia também

Salada Verde
17 de maio de 2024

Avistar celebra os 50 anos da observação de aves no Brasil

17º Encontro Brasileiro de Observação de aves acontece este final de semana na capital paulista com rica programação para todos os públicos

Reportagens
17 de maio de 2024

Tragédia sulista é também ecológica

A enxurrada tragou imóveis, equipamentos e estradas em áreas protegidas e ampliou risco de animais e plantas serem extintos

Notícias
17 de maio de 2024

Bugios seguem morrendo devido à falta de medidas de proteção da CEEE Equatorial

Local onde animais vivem sofre com as enchentes, mas isso não afeta os primatas, que vivem nos topos das árvores. Alagamento adiará implementação de medidas

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.