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Moradores do Itatiaia tentam voltar por cima

À espera de uma solução para impasses fundiários, desde 1937, Itatiaia tem agora uma proposta de redefinição que, tratada com rigor, poderia servir para arrumá-lo.

5 de dezembro de 2008 · 15 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Com a palavra a Associação dos Amigos do Itatiaia. Ela apresentou ao Ministério do Meio Ambiente sua proposta de regularização fundiária do Parque Nacional do Itatiaia, um assunto que o governo federal carrega no ventre desde 1937. Está mais do que na hora de ouvi-la. Falando sozinhas há 71 anos, as autoridades não deram até hoje um passo para resolver o problema que criaram no começo do século passado, ao vender lotes em fazendas da União, que pouco depois resolveram transformar em reserva de proteção integral, portanto, necessariamente livre de propriedades particulares.

Tudo isso, como sempre, vige no papel. Às vezes, papel de jornal, quando sobe a serra, com muito barulho e pouco resultado concreto, a notícia de que o processo de desapropriação, encruado há tantas décadas, está finalmente para deslanchar em Itatiaia. Foi o que aconteceu quase três anos atrás. O pôs o parque em pé de guerra. Mais uma vez para nada.

As palavras oficiais abriram a última temporada de conflitos na região. Depois, emudeceram. O primeiro projeto a se materializar vem agora do outro lado, o dos moradores e hoteleiros. Está longe de ser o ideal. Pois o ideal é um parque nacional como se deve, cem por cento de terras públicas. Mas também não é descartável sem que o governo se dê ao trabalho de, pelo menos, levá-lo a sério.

Parque natural

Sob a ameaça de desapropriação iminente, os proprietários fizeram o dever de casa. E voltaram à mesa de negociação armados com argumentos plausíveis, além de velhas fotografias em branco e preto, pioneiros coloridos, boas histórias e mapas convincentes.  Será difícil, agora, deixá-los sem resposta.  

Eles pedem a redefinição dos 1.300 hectares que a sede administrativa divide com 190 residências e cinco hotéis. Seriam 4,5% a menos na área total do parque. Correspondem à parte baixa, a mais visitada, além de ser geralmente a primeira que vem à cabeça de que andou por lá pela primeira vez, trazendo fotografias e lembranças.

Nesse caso, é provável que figurem entre suas recordações o Véu de Noiva e a Poranga, duas cachoeiras muito visitadas do rio Campo Belo e símbolos não só da beleza natural, como dos paradoxos de Itatiaia. Elas ficam no meio da mata – ou pelo menos da capoeira que cresceu naquelas encostas, antes devastadas por empreendimentos agrícolas, desde  1937. Para vê-las, é preciso caminhar por picadas rústicas, que são o único vestígio ostensivo de ocupação do terreno. Não parecem, mas pertencem a um sítio, o Jangada, cujo dono nos fez o favor de deixá-las assim.

As cachoeiras contrastam com outros pontos turísticos, inclusive do rio Campo Belo, situados em terras públicas. Neles, geralmente se chega por estrada. Há clareiras, pontes de concreto e até churrasqueiras a sua volta, confundindo os sinais que demarcam o que é público e o que é privado no parque nacional. E é nessas contradições que os proprietários se escoram, invocando a “exemplar convivência entre o homem e o meio ambiente” que o governo, por equívoco, patrocinou em Itatiaia, ao iniciar seu povoamento em 1908.

Núcleo colonial

A convivência nem sempre é tão exemplar assim, ou eles mesmos não estariam se oferecendo para, em contrapartida, sanar os impactos da presença excessiva de gente no parque, herdeira dos povoadores que o Ministério da Agricultura instalou lá dentro há um século. Mas eles acreditam que encontraram uma fórmula para, à falta de solução melhor, defini-la e delimitá-la.

Seria o Núcleo Colonial do Itatiaya, que o documento grafa com “y”, para deixar claro que fala em nome de quem chegou ali primeiro. Os grileiros que vieram depois estão excluídos da proposta. Redefinido como Monumento Natural, contíguo ao parque e igualmente enquadrado nos estatutos de proteção integral.

A definição, em si, é controversa. No Ibama, quem entende do assunto alega que Monumento Natural foi concebido para a preservação de “recursos abióticos” – ou seja, de paisagens onde a flora e a fauna já se perderam ou não têm importância fundamental. E mesmo assim não exclui, legalmente, o requisito de que as terras sejam públicas ou que os proprietários se abstenham de usá-las.

Há, também, o perigo de que a mudança, em Itatiaia, ao passar pelo Congresso, arraste todos os penduricalhos legislativos que permanentemente conspiram na política contra os parques nacionais. Mas até os críticos da proposta admitem que o pior problema fundiário de Itaiaia não esteja no antigo núcleo colonial, mas do outro lado da serra da Mantiqueira, onde a expansão do parque, na década de 1980, englobou sítios e fazendas que avançaram sobre os 48 mil hectares comprados pelo governo do comendador Henrique Irineu Evangelista de Souza, filho do Barão de Mauá.

E, pela primeira vez, os interesses contrariados pelo parque nacional se dividiram, o que é um avanço. De quebra, alegam os moradores, a criação do Monumento Nacional “desoneraria a União de significativo dispêndio de recursos financeiros para desapropriação de imóveis”. Só essa conta já foi orçada – pelos donos – em 60 milhões de reais. Mas o maior lucro seria a oportunidade de botar ordem no que, à falta de definição jurídica, virou bagunça, com lixo ao relento, córregos contaminados por esgotos e animais domésticos à solta no que deveria ser um santuário da fauna nativa. Tudo isso, segundo a Associação, seria negociado na hora da mudança.

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