Reportagens

Alerta vermelho

Chefes dos serviços florestais de países que detém as maiores florestas do mundo se reúnem nos Estados Unidos e descobrem que tem um inimigo em comum: o aquecimento global.

Manoel Francisco Brito ·
8 de novembro de 2006 · 17 anos atrás

Entre os dias 16 e 21 de outubro, aconteceu em Grey Towers, na Pensilvânia, um encontro que, levando-se em conta as pessoas presentes, o que elas comandam e o próprio local do evento, mereceria muito bem a qualificação de histórico. Ele foi realizado na casa de Gifford Pinchot (foto), que há exatos cem anos fundou o Serviço Florestal americano, e reuniu os chefes de serviços florestais de seis países com coberturas florestais de grande porte – Brasil, Estados Unidos, Rússia, Canadá, Indonésia, Índia e China. Além deles, estavam presentes os dirigentes dos serviços florestais de Camarões, que tem a maior área sob manejo florestal na África, e México, que apesar de não ser famoso pelas suas árvores, é o líder mundial em projetos de manejo comunitário. Trata-se de uma turma que comanda a gestão de 55% das florestas que ainda restam na face da Terra, em nações que contêm 2/3 de toda a população humana.

Mas além disso tudo, há um outro fator que dá ainda mais importância ao encontro em Grey Towers. Ele foi idealizado pelos próprios participantes, entre eles Tasso Azevedo, diretor do Serviço Florestal brasileiro, e realizou-se fora da esfera institucional em que habitualmente ocorrem encontros entre funcionários de governos. “Foi intencional”, conta Azevedo. Sem a obrigação de falarem em nome de seus países, os chefes dos serviços florestais puderam discutir abertamente os problemas que enfrentam e trocar experiências de seu cotidiano livres das amarras da diplomacia oficial. Fecharam os cinco dias de debates com a certeza que seus trabalhos, apesar de acontecerem em países tão distintos, têm muitas semelhanças e, nesse momento, um inimigo comum: o aquecimento global. “Essa talvez tenha sido a marca do encontro”, diz Azevedo. “Não há nenhuma grande massa de floresta hoje no mundo que não esteja sofrendo as conseqüências da mudança climática”.

No Canadá, as florestas do Noroeste do país estão sendo consumidas por uma praga, o besouro de pinheiro, produto direto de invernos mais amenos que já reduziu a produção de madeira em 15%. O Serviço Florestal americano está vendo suas florestas serem consumidas por incêndios que se alastram graças ao aumento do calor e a seca prolongada, um problema semelhante ao que anda enfrentando o Serviço Florestal da Indonésia. No Brasil, segundo Azevedo, a principal preocupação é a seca que anda ameaçando a saúde da floresta amazônica. Se a reunião tivesse sido oficial, dificilmente, segundo Tasso, essas e outras questões seriam tratadas com tanta franqueza.

Nas páginas que o Serviço Florestal canadense mantém na internet, por exemplo, os danos provocados pelo besouro são discutidos em detalhe.Nelas descobre-se que praticamente todas as florestas da província da Colúmbia Britânica já estão infestadas pelo inseto e que ele está se expandindo para o Leste e para o Norte (foto). Aprende-se que sua população era controlada pelos rigores habituais do inverno na região, mas que nos últimos três anos o frio não foi tão intenso e causou um desequilíbrio que fez o número de besouros explodir. As árvores que eles atacam ficam com um tom azulado, troncos rachados e invariavelmente morrem. Apesar de tanta informação, não há qualquer menção ao fato de o fenômeno ser possivelmente uma conseqüência do aquecimento global, porque a diplomacia canadense prefere que isso não faça parte de seu discurso oficial. A situação é semelhante em relação às florestas americanas e brasileiras.’

Não falo

Por razões distintas – o governo americano quer fugir de qualquer discussão sobre a necessidade de reduzir emissões e o brasileiro, via Itamaraty, meteu-se numa discussão bizantina sobre quem deve ser mais culpado pelo fenômeno – Azevedo e a representante do Serviço Florestal dos Estados Unidos na reunião, Sally Collins, jamais poderiam expressar preocupação com a mudança climática em fóruns oficiais. Daí a importância de encontros informais como o que aconteceu em Grey Towers. Os manda-chuvas das maiores massas florestais do mundo saíram de lá decididos a batalhar para que seus governos dêem cada vez mais importância ao tema do aquecimento global. Combinaram que vão escrever cartas para consumo interno de pessoas chaves na administração de seus países relatando o que ouviram e, eventualmente, propondo linhas de ação.

Azevedo não revela nem sob ameaça de tortura quem, no governo brasileiro, será o destinatário de sua carta, que ainda não foi finalizada. “Se eu fizer isso, corro o risco de estar dando um caráter oficial ao assunto, o que destrói a proposta da reunião”, diz. Mas não esconde que recomendará a intensificação do combate ao desmatamento e às queimadas na Amazônia. Se houvesse apenas a derrubada, o material orgânico largado no chão liberaria gás carbônico na atmosfera. Mas a floresta voltaria a crescer, sequestrando esse excesso de emissão. “A maldição é o fogo usado para limpar o terreno”, diz ele, que sinaliza a intenção do desmatador de converter o uso da área para a pecuária ou agricultura.

As queimadas colocam o Brasil entre os maiores emissores de gás carbônico no mundo e são uma espécie de tiro no pé, porque contribuem para o efeito estufa, interferindo não apenas na saúde de nossas matas, mas até eventualmente na produção agrícola do país. Jose Marengo, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Inpe diz que ainda há um alto grau de incerteza em relação ao impacto de mudanças climáticas na Amazônia por conta da escassez de dados. “Ao contrário da América do Norte, onde se faz registros históricos cuidadosos desde o século XIX, aqui só mesmo há 30 anos é que começamos a nos preocupar com um monitoramento mais sistemático”, diz. E o diabo, na situação atual, é que por falta de investimentos a rede de coleta de dados na Amazônia está em pior estado do que nos anos 70.

Vistos isoladamente, os dados disponíveis não raro indicam processos contraditórios. Por exemplo, eles mostram que a descarga de água na bacia do Tocantins aumentou muito, embora o regime de chuvas na região tenha se mantido estável. São contradições que o físico Alejandro Fonseca, da Universidade Federal do Acre também detecta nos levantamentos que tem feito acerca dos índices de precipitação no estado. Na parte Oeste, o regime de chuvas está estável, dentro do volume obtido em anos recentes. “Mas na parte Leste, há uma clara tendência de seca”, diz. Mas essas informações, insiste Marengo, não são razão para não se adotar uma posição de cautela e começar a tomar decisões no sentido de tentar se proteger a cobertura florestal que ainda resta na bacia Amazônica.

O oficial e o informal

“Embora seja precipitado apontar causas, dá para afirmar que a temperatura na região está aumentando. Isso é um fato”, diz o cientista do Inpe. E modelos computacionais que fatoram o aquecimento global na hora de medir seu impacto sobre a Amazônia mostram que seu efeito pode ser devastador. Os cientistas do Hadley Center for Climate Research, da Inglaterra, trabalharam com um desses modelos e têm certeza que a seca do ano passado na Amazônia, apesar de ainda ser vista como um evento climático fora da curva habitual, pode muito bem ser o prenúncio do que acontecerá na região em caso de elevação substancial da temperatura na superfície.

Aumento de temperatura tem impacto no regime de chuvas e, claro, nos ciclos da biodiversidade. Mudanças na cobertura vegetal da região afetam a intensidade do calor para cima. Trabalhos recentes sugerem que avanço do desmatamento inevitavelmente reduzirá entre 5% e 20% a precipitação durante a estação chuvosa e ampliação do período de seca. Indicam também que a temperatura média vai subir entre 1 e 2,5ºC. Por tudo isso, o sentido de urgência sobre mudanças no clima que Azevedo trouxe de sua reunião com os chefes de Serviços Florestais é mais do que bem-vinda.

Ele garante que no governo, em especial no Ministério do Meio Ambiente, há muita gente atenta e mobilizada em torno do assunto. Falta apenas tornar esse sentido de urgência oficial. E batalhar para manter o caráter informal dessa comissão internacional de chefes de serviços florestais, justamente porque ele permite que as verdades sejam ditas sem qualquer tipo de eufemismo. A próxima reunião do grupo, que se auto-batizou de Megaflorestais – assim mesmo, em português – já está agendada. Vai acontecer no ano que vem, na Rússia. E até lá, espera-se que Azevedo e seus pares tenham melhores notícias para dar uns aos outros.

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