Reportagens

Copenhague em transe

Documento do governo dinamarquês é revelado e bagunça as negociações do clima. Grupo de países em desenvolvimento reclama de conspiração dos ricos, mas diz que permanece na negociação.

Andreia Fanzeres ·
8 de dezembro de 2009 · 14 anos atrás
 Representante africano protesta no Bella Center
(foto Cristiane Prizibisczki)      
Nesta terça-feira, segundo dia da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Copenhague, as negociações foram abaladas pelo vazamento de um documento do governo dinamarquês ao jornal britânico The Guardian. O texto que foi revelado é uma proposta de redação do novo acordo climático. A notícia da existência do documento causou mais impacto do que propriamente seu conteúdo. Um clima de desconfiança entre as delegações voltou às negociações do clima, espantando o otimismo expressado na abertura nesta segunda.
 
 

A reação mais enfática à aparição do texto dinamarquês foi do Grupo dos 77 mais China (G77), que reúne as nações em desenvolvimento. Embora pouca gente acredite que o vazamento tenha partido dos anfitriões da conferência, o embaixador sudanês Lumumba Stanislaw Di-Aping avisou que o primeiro ministro dinamarquês vai ter que se explicar sobre o teor do documento.

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Os dois pontos que causam mais desconforto na proposta dinamarquesa é a defesa aberta do fim do Protocolo de Kyoto e a falta de metas de longo prazo de financiamento ao combate do aquecimento global. O texto de 12 páginas diz que Copenhague terá um conjunto de decisões que levará à criação de um novo tratado. Como sempre, enterrar Kyoto mexe com os brios do G77. “O que nós precisamos é implementar o que já concordamos no Protocolo de Kyoto”, disse Lumumba. O grupo defende um novo período de compromissos dentro do tratado já existente, ao invés de lançar uma nova estrutura legal.

O embaixador extraordinário para Mudanças Climáticas do governo brasileiro, Sérgio Serra, diminui a importância do documento dinamarquês. Segundo ele, o texto fora apresentado semanas antes para negociadores de vários países e recusado. “O documento revelado hoje é um segredo de polichinelo, pois todo mundo sabia que ele existia.” Na mesma linha opinou o secretário da Convenção do Clima (UNFCCC), Yvo de Boer. “Este documento foi apresentado antes da COP e ele não está  sobre a mesa de negociações.”

Conspiração dos ricos?

ONGs e membros da delegação africana não gostaram nem um pouco da notícia de que um texto estaria sendo negociado sem o consentimento dos países em desenvolvimento. Durante manifestação realizada na tarde desta terça-feira  os africanos ressaltaram que não vão aceitar nenhum acordo que limite o aumento da temperatura em 2°C. Com gritos de “Dois graus é suicídio “ e “Uma só África, um grau (Célsius)” , a delegação garantiu que continuará seguindo de perto as negociações . “Senhoras e senhores, nós estaremos do lado dos nossos negociadores desde que eles defendam os interesses do povo pobre da África. Nós estaremos todo o tempo com vocês [povo africano], seremos cuidadosos, seguiremos as discussões e estaremos bem vigilantes. Nós encontraremos com vocês amanhã, vocês conhecem o local. Nós continuaremos a importuná-los, ninguém deve dar um passo atrás, ninguém vai nos calar, ninguém deve dizer nada a vocês que não seja construtivo. Quem define o que é construtivo e civilizado? Nós estamos sofrendo e devemos nos defender. Nós não morreremos em silêncio”, disse o porta-voz da delegação.

Mas mesmo que não esteja na pauta dos diplomatas, o agora famoso texto dinamarquês gerou uma reação em cadeia em que ONGs e reprentantes dos países pobres falam na existência de uma conspiração dos ricos para que nada muito ambicioso seja feito em Copenhague. Uma marcha de manifestantes da África foi feita bem no coração do Bella Center, o centro de convenções da COP 15. Aos gritos, pediam um acordo onde a faixa de aquecimento global seja inferior aos 2oC que estão no texto dos anfitriões. (Veja vídeo ao lado com cenas da manifestação).

O porta-voz do G77 entrou no jogo e assegurou que este documento jamais será aceito. “Nós não vamos assinar um acordo injusto que condena 80% da população do planeta por causa de meia dúzia de líderes”, garantiu Lumumba, referindo-se a impactos mais severos sobre os pobres se os 2oC forem aceitos.

Apesar das frase de efeito, o que parece ter incomodado mais os diplomatas é o que estaria por trás do vazamento da proposta: uma solução de cima para baixo. Isso seria  inadimíssivel comentaram representantes do Brasil e do G77. O texto de Copenhague vem sendo negociado há dois anos, desde a criação do Mapa do Caminho de Bali, durante 13a Conferência das Partes (COP13). Marco Fujihara, um experiente consultor brasileiro, que acompanha as negociações do clima, observou que é muito comum o país anfitrião da COP apresentar um texto para tentar solucionar um impasse.”Mas isso acontece normalmente no último dia, quando não há mais alternativa, não no começo, nos primeiros dias.”, pontuou

Portanto, apesar da bagunça causada pelo vazamento nesta terça em Copenhague, as coisas continuarão como devem ser – pelo menos na superfície. Até sexta-feira o chefe do grupo de trabalho do Acordo de Cooperação de Longo Prazo vai apresentar um texto que deverá ser discutido até a chegada dos chefes de estado, na próxima terça, dia 15. Apesar do mal estar e da irritação dos países pobres, o G77+China não abandonará a conferência em Copenhague. “Nós não podemos admitir fracasso, temos que achar uma maneira de salvar o planeta, e tentaremos até o último dia”, defendeu Lumumba. (Andreia Fanzeres, Cristiane Prizibisczki e Gustavo Faleiros)

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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