Análises

Quem vier depois que se arranje

A lei é pacto entre gerações para um ambiente equilibrado entre quem vive hoje e quem viverá no futuro. Os congressistas precisam saber disso

Teresa Urban · Clóvis Borges ·
24 de maio de 2012 · 12 anos atrás
Será que quem vive hoje pode bater o martelo sobre o futuro das gerações que virão? Ilustração: Paulo André Vieira.

A lei é pacto entre gerações e a ideia que permeia o cipoal de regras no qual estamos envolvidos é assegurar uma vida melhor a quem vem depois de nós. Não um mundo perfeito, apenas uma vida melhor.  São esses pactos intergeracionais que constroem a civilização e, para mantê-los, é preciso conhecer, entender e cumprir as leis. Caso contrário,  o legado ao futuro, em termos de conquistas sociais, econômicas e tecnológicas acumuladas pela sociedade humana, ficará comprometido pela falta de um código comum entre quem já foi e quem ainda virá. Nossos congressistas parecem não saber disso.

Demora para construir um código comum? A história nos ensina que sim. Passaram-se mais de duzentos anos e ideias tão simples como “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”  ainda mancham com vermelho de sangue esse planeta azul. Fácil imaginar, então, quanto é difícil incluir novos itens na ideia de bem comum.

Sabemos, hoje, como bem lembra  o francês Michel Bosquet, colaborador de diversas publicações francesas e membro do comitê de redação de Le Temps Modernes, que a crise da relação homem-natureza foi uma das dimensões não previstas pelas demandas humanistas.  Diz ele:  “Sabemos que nosso mundo se extingue; que, se continuarmos na mesma trajetória, os mares e os rios serão estéreis, a terra carecerá de fertilidade natural, o ar resultará irrespirável nas cidades e a vida constituirá um privilégio a que somente terão direito os espécimes selecionados de uma nova raça humana, uma nova raça que, mercê dos condicionamentos químicos e programação genética, se adaptarão ao novo nicho ecológico que a engenharia biológica sintetizará para eles”. Será este o pacto que queremos?

Há pelo menos 150 anos, as sociedades industrializadas vivem da pilhagem acelerada dos estoques de bens naturais cuja constituição exigiu dezenas de milhões de anos. E as questões envolvendo o futuro do planeta, da biosfera ou das civilizações, voltadas para o futuro, ainda não foram incorporadas como parte da equação presente.

“O Brasil construiu, nos últimos anos, um moderno sistema de proteção aos ambientes naturais. Legado para o futuro que está sendo desmantelado pelos congressistas do presente”.

No Brasil de 2012, da Rio+20, da primeira mulher presidente, estamos no mesmo dilema. Sabido e comprovado que os sistemas naturais são necessários à vida de todos e, portanto, transformaram-se em bens  sociais, isto é, têm valor para toda a sociedade, hoje, amanhã e sempre; sabido e comprovado que a enorme diversidade de seres vivos,  de cada espécie e de paisagens – a chamada biodiversidade –  faz  a máquina da vida funcionar; sabido e comprovado que, quanto mais devastado um ambiente, mais  pobre em biodiversidade e pior a qualidade de bens  como suprimento de água, regulação do clima e muitos muitos outros, ainda assim seguimos o velho modelo de pilhagem.

Na contramão,  o Brasil construiu, nos últimos anos, um moderno sistema de proteção aos ambientes naturais. Legado para o futuro que está sendo desmantelado pelos congressistas do presente, que atacam com fúria o Código Florestal Brasileiro, lei modesta que ordena o uso e ocupação do território brasileiro com o olhar sábio e experiente da ciência e da justiça. Os limites e os freios estabelecidos pelo Código – apontados pelo agronegócio como entraves ao crescimento e ao progresso – são apenas parte do compromisso que precisamos estabelecer com a aqueles que vem de nós.

A primeira presidente do Brasil – com o instinto que a natureza garante às fêmeas da espécie – deve saber que a devastação é um tiro no pé, não mata só o futuro mas afeta o presente, quando o solo empobrece, a água fica escassa, o clima muda.  Deve saber que, quando os limites sociais não são respeitados, alguns ganham e todos perdem:

pior qualidade de vida e maiores gastos para tentar recuperar o que antes estava disponível de forma gratuita. É uma conta perversa porque é a sociedade que paga para consertar o que alguns destruíram. Para fazer a conta certa é preciso que todos aceitem os limites da natureza e da lei: quem não respeita o sinal vermelho da vida pode matar, ou morrer.

  • Clóvis Borges

    Diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS)

Leia também

Salada Verde
7 de outubro de 2024

Centrão e direita dominam prefeituras de cidades líderes em desmatamento na Amazônia

União Brasil, MDB, PSD, AVANTE, Podemos, PP, Republicanos, PRD e PL garantem 68 das 70 cidades monitoradas pelo Ministério do Meio Ambiente; PDT e PSB completam lista

Notícias
7 de outubro de 2024

Organizações brasileiras criticam decisão europeia de adiar lei anti desmatamento

Anúncio, feito na última semana, causou reações adversas. Brasil era um dos países que pediam adiamento, mas há temor de que lei seja enfraquecida

projeto-arvores-gigantes-da-amazonia-angelim-vermelho-a-maior-arvore-da-amazonia1b-foto-havita-rigamonti-imazon-ideflor
Salada Verde
7 de outubro de 2024

Pará cria novo parque estadual para proteger maior árvore do Brasil

Nova unidade deriva da Floresta Estadual do Paru, que teve porção recategorizada com o objetivo de proteção integral

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.