Reportagens

Água reciclada

Casal de professores do Mato Grosso desenvolve método simples, barato e inteligente de reutilizar a água da máquina de lavar nos sanitários domésticos.

Adriana Gomes ·
26 de novembro de 2004 · 19 anos atrás

Um projeto simples, que dá bons resultados tanto para o meio ambiente quanto para o bolso de quem o aplica. Assim é o sistema de reaproveitamento de água doméstica inventado pelo casal Nicolau e Josita Priante, ambos professores, respectivamente de Física e Filosofia, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

Reciclando a água usada pela máquina de lavar para a descarga dos sanitários, o sistema, desenvolvido a partir de 1998, gera uma economia de cerca de 9 mil litros de água por mês para os seus inventores. A idéia tem dado tão certo que já ganhou o apoio da UFMT e foi considerada um projeto de excelência pelo Prêmio Finep de Ação Tecnológica de 2002. O Ministério das Relações Exteriores também gostou e pretende divulgá-la mundialmente. O sucesso motivou uma reportagem no telejornal Hoje, da Rede Globo.

Tudo começou quando Josita, durante os afazeres domésticos, notou que sempre faltava água na hora de tomar banho quando se lavava muita roupa. Em Cuiabá, o abastecimento é precário. E a companhia de saneamento da cidade estima que 50% de toda a água distribuída é desperdiçada em furos e falhas no sistema de distribuição.

Josita teve a idéia de calcular quanto a família gastava com a descarga do vaso sanitário. Fez a conta e espantou-se: 300 litros por dia. A caixa de descarga da casa armazena 10 litros. Os seis membros da família puxavam a cordinha, em média, cinco vezes ao dia. O resultado eram 300 litros de água tratada desperdiçados todo dia. Por mês, 9 mil litros iam privada abaixo.

Sendo assim, Josita decretou: dar descarga com a caixa estava proibido. Isso passou a ser feito com a reutilização da água que saía da máquina de lavar, que passou a ser armazenada. Cada vez que a máquina era usada, salvavam-se em torno de 200 litros. A primeira água, mais suja, passou a irrigar o jardim. Sem prejuízo das plantas, já que somente hortaliças poderiam seriam afetadas pelo sabão. A segunda, mais limpa, passou a ser utilizada no vaso sanitário. A economia foi grande.

Os filhos adolescentes, claro, rebelaram-se contra o “decreto” da mãe. Por isso, a cordinha da caixa de descarga foi amarrada para que ninguém caísse na tentação de voltar ao método tradicional. “Era duro para todos ter que pegar água de balde muitas vezes, à noite, no frio, lá fora. No início, meus filhos ficaram com vergonha de levar amigos em casa. Diziam que éramos cafonas. Mas, enfim, se acostumaram. A regra não era quebrada nem quando dávamos festas. Os convidados também eram orientados a pegar baldes de água”, conta a professora.

Com o tempo, o balde e a caixa de descarga foram aposentados. O casal desenvolveu um sistema que facilitou o reuso. A água da máquina de lavar é levada por canos para uma caixa d’água de 500 litros. Um motor joga essa água para outra caixa de 1.000 litros que fica em cima da casa. Dessa última, sai o encanamento para a descarga do banheiro, num sistema independente daquele que transporta água potável.

A caixa principal da casa, embora ligada à caixa de reuso, fica isolada por meio de uma bóia, para não ser contaminada. A descarga, por sua vez, está garantida mesmo que não se lave muita roupa. Nesse caso, a bóia se abre e a caixa principal abastece os banheiros.

Depois do sucesso doméstico, em 2000 chegou a hora de disseminar a idéia. A engenhoca dos Priante chamou a atenção dos visitantes no I Seminário de Recursos Hídricos promovido pela Fundação Estadual de Meio Ambiente do Mato Grosso (Fema).

Daí em diante, surgiu o apoio do Departamento de Engenharia Sanitária da UFMT, através da professora Eliana Rondon Lima. Ela passou a acompanhar os progressos do sistema e escreveu um trabalho sobre ele. “Conhecendo, percebi a importância do projeto, por isso resolvi pesquisá-lo”, relembra Eliana. Associados a ela, os Priante concorreram e ganharam R$18 mil da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat).

O dinheiro deve ser liberado agora em dezembro, e vai servir para demonstrar as vantagens do sistema, instalando-o na casa de uma aluna da UFMT. “Temos que mostrar, não só falar para que as pessoas vejam as vantagens da novidade”, explica Josita. Espera-se que os resultados e a visibilidade das primeiras instalações atraiam mais apoio e parceiros à expansão do projeto. O bairro Parque Cuiabá foi escolhido para a primeira aplicação do método em maior escala. Lá moram quase 5 mil famílias de classe média-baixa, com problemas sérios de abastecimento de água.

Josita conta, satisfeita, os resultados positivos da divulgação do projeto. “Após a reportagem da Globo, um dono de restaurante em São Paulo nos contactou para saber como funcionava o reaproveitamento. Queria implantá-lo, uma vez que percebeu o desperdício de água com a lavagem de verduras. Outro interessado foi o dono de uma loja de consertos de máquinas de lavar. Ele precisa encher cada máquina para diagnosticar o problema, esvaziá-la, consertá-la e, depois, enchê-la mais uma vez para o teste final”. Depois que começou a usar o método dos Priante, sua conta de água diminuiu consideravelmente, e o negócio passou a economizar 2 mil litros diários.

Para quem quiser conhecer o projeto ou apoiá-lo, a equipe divulga seus e-mails: jositacp@terra.com.br, nicolaup@terra.com.br e elianar@cpd.ufmt.br.

* Adriana Gomes é jornalista, trabalha no jornal Circuito MT e colabora com a agência Estação Vida.

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