Reportagens

Moda sustentável, uma agulha no palheiro

Fashion Business e Rio-a-Portêr lançam as tendências do inverno 2011 e revelam que sustentabilidade é mais retórica do que prática.

Diego Rebouças · Julia Salgado ·
14 de janeiro de 2011 · 13 anos atrás
Desfile da marca Natural Cotton Color. Peças feitas com algodão agroecológico da Embrapa. Foto: Agência Fotosite/Zé Takahashi.

Rio de Janeiro – Moda ética e ‘ecologicamente sustentável’ ainda é um negócio caro, mesmo em países com uma indústria de moda extremamente organizada, como a França. Quem aponta é Isabelle Quéhé, diretora artística do Ethical Fashion Show, evento criado em 2004 com o objetivo de dar suporte e visibilidade aos poucos designers que criam moda com preocupações ambientais e sociais. Na primeira feira, eram apenas 20 expositores. No evento realizado em setembro do ano passado participaram 150.

Isabelle veio ao Rio de Janeiro a convite do Fashion Business, feira de negócios de moda que aconteceu na Marina da Glória entre os dias 10 e 13 de janeiro. Aqui, a executiva deu uma palestra para uma plateia esvaziada. Falta de interesse do público? Ou o horário do evento – logo na manhã do primeiro dia – também não ajudou muito?

Isabelle Quéhé, diretora artística do Ethical Fashion Show. Foto: divulgação Fashion Business.

O Fashion Business mostrou que iniciativas sustentáveis no mundo da moda ainda são agulhas no palheiro. Logo na entrada, um mapa-múndi com o contorno dos cinco continentes materializados por plantas. Nos corredores, stands decorados com green walls, plantas pelas fachadas, cartões e folders de papel reciclados e a febre do momento, as ecobags, símbolo do consumo consciente. No entanto, dos 310 stands montados, contamos apenas 7 com alguma iniciativa focada no meio ambiente. Já no Rio-à-Porter, a organização do evento listou 169 stands e apenas 4 com iniciativas de caráter ambiental.

A organização do evento garante que todo o material utilizado para montar a cenografia dos 30 mil metros quadrados de área construída era reciclado e a madeira, certificada. “Sustentabilidade é ponto de mutação na economia da moda. Cada vez mais as novas gerações estão preocupadas com isso. É um caminho sem volta”, afirma a diretora do evento, Eloysa Simão. Além do uso de material reciclado, Eloysa garante oferecer preços especiais aos exibidores engajados em questões sustentáveis. Apesar disso, Marcos Paladine, gerente comercial da Reserva Natural, marca que usa fibras 100% naturais e mantém a sustentabilidade como eixo-central de sua produção de roupas, afirma não ter recebido qualquer tipo de incentivo do evento.

Para organizar o Fashion Business foram gastos R$16 milhões para receber um público de cerca de 50 mil visitantes, que deve fechar R$620 milhões em negócios – 15% a mais do que na edição Outono/Inverno passada, quando foram negociados R$550 milhões.

Iniciativas do Nordeste

Os corredores do Fashion Business. Foto: Kiko Cabral.

São números dignos de elefante, quando comparados às cifras de formiguinha dos empreendimentos da moda ecológica. A divisão de moda feminina da Natural Cotton Color, grife paraibana que desfilou coleção na feira de moda que acontece no Cais do porto, a Rio-à-Portêr, fatura cerca de meio milhão. Em um ano inteiro.

Resultado da união de 10 pequenos empresários, a marca usa como matéria-prima o algodão agroecológico desenvolvido pela Embrapa. Apesar de não passar por processos de tingimento geradores de resíduos poluentes para os rios, este algodão usa um mínimo de agrotóxicos em seu plantio, servindo de matéria-prima para roupas que ainda causam algum impacto ao meio ambiente.

Ainda assim, a iniciativa da Natural Cotton Color esbarra em dificuldades. A limitação de cores, por exemplo. Atualmente, este algodão só existe em quatro cores: “É um desafio criar coleções a cada seis meses com uma cartela de cores tão limitada. Compradores e consumidores pedem novidades”, revela Francisca Vieira, diretora-presidente da marca. A saída tem sido pesquisar.

Mapa feito com plantas na entrada do evento. Foto: Kiko Cabral.Modelo desenhado pela escola britânica Saint Martins. Foto: Niall McInerney.

Francisca descobriu, por exemplo, empresas produtoras do fio-da-seda que descartam os casulos furados. É que, para a produção do fio de seda padrão, o casulo do bicho-da-seda é jogado em água fervente, para que o bicho morra instantaneamente e o comprimento do fio fique preservado. No entanto, alguns bichos-da-seda são mais ágeis, furam o casulo e destroem o comprimento do fio. Pois são justamente os fios mais curtos provenientes desses casulos que a Natural Cotton Color tem usado para misturar ao algodão orgânico e chegar a um fio de textura diferente. Além disso, o linho, por ter um processo de produção bastante ecológico, também tem sido misturado ao algodão orgânico, resultando em peças de vestuário e decoração.

Diferente do algodão agroecológico, o algodão orgânico também é desenvolvido pela Embrapa. A diferença é que ele não utiliza pesticidas em seu plantio, passo fundamental para conseguir certificação do Instituto Biodinâmico. No Fashion Business, uma marca utiliza este algodão em suas roupas: a também paraibana Natural Fashion. A marca é cria da CoopNatural, cooperativa de Campina Grande que reúne 35 associados (entre agricultores, produtores e artesãos) e gera 850 empregos.

A Natural Fashion veio para o Fashion Business tentar ganhar espaço no mercado nacional. “O maior mercado consumidor do algodão orgânico é a Europa, onde inclusive esse tipo de fibra já ganhou reconhecimento e certificações de qualidade, como o Organic Exchange”, aponta Claudio Machado, representante da marca. A Natural Fashion atualmente vende para 11 países do mundo, entre eles Estados Unidos, Austrália, Japão, Suécia e Reino Unido. A demanda de consumo desses produtos nesses países é maior.

Mas não basta só haver demanda de consumo. Decisões governamentais também fazem a diferença para tornar a moda ecologicamente consciente mais competitiva. “Quando a então primeira-dama da Paraíba, Silvia Cunha Lima, aproveitou uma brecha na legislação e cadastrou todos os paraibanos que trabalhavam com algodão orgânico como artesãos, da noite para o dia passamos a ter imposto zero e isso permitiu ampliação do comércio tanto com outros Estados como com o exterior”, revela Francisca Vieira, da NCC.

O impacto do cultivo do algodão não é bobagem. Das fibras naturais, é a mais usada pela indústria têxtil. “Enquanto ocupa quase 4% das terras cultivadas do planeta, seu plantio responde por 25% de todos os pesticidas usados na agricultura mundial. O resultado é que para cada quilo de algodão não-orgânico produzido são empregados 1,25 quilos de agrotóxicos”. Os números são de Isabelle Quehé, que ainda alerta: “Ainda mais preocupante é o número de agricultores que morrem todo o ano no mundo pela contaminação desses venenos: cerca de 20 mil.” O algodão orgânico, como o desenvolvido na Paraíba, representa apenas 0,3% do total da fibra produzida em todo o globo.

Pequenos passos fazem a diferença

Modelo desenhado pela escola britânica Saint Martins. Foto:Niall McInerney.

As instituições de ensino de moda também têm um papel de destaque nessa lenta mudança de mentalidade. Uma das mais renomadas do mundo, a britânica Central Saint-Martins, foi uma das poucas a instituir a moda ética como disciplina obrigatória. “Desde 2008, o curso de graduação em moda desenvolve projetos sustentáveis como parte do currículo. Alguns estudantes do último ano decidiram abraçar a sustentabilidade em suas coleções, como Christine Beez e Phillip Patterson. Este último desenvolveu tecidos e tingimentos a partir dos recursos naturais da fazenda de ovelhas de sua família, na Nova Zelândia”, conta a diretora do curso de moda da CSM, Willie Walters.

A busca por recursos e expertises locais, inclusive, é uma das grandes bandeiras levantadas por Isabelle, diretora do Ethical Fashion Show. “O trabalho com artesãos locais dá visibilidade e oportunidade às técnicas tradicionais, possibilitando que essas pessoas sobrevivam apesar da massiva industrialização contemporânea. A moda ética justamente procura evitar a uniformização no design de moda, promovendo as culturas e os estilos locais”, defende Quéhé. Mas, tal como em sua palestra no Fashion Business e tal como os stands dos eventos de moda carioca, ainda se trata de uma voz entre tantas outras. Quase agulhas no palheiro. Que brilham, é verdade, mas só para os olhos mais atentos.


*Diego Rebouças e Julia Salgado são jornalistas no Rio de Janeiro e fizeram a cobertura do Rio Fashion Business para ((o))eco.

 

 

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