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Novo estudo sobre clima muda opinião de cientistas céticos

A superfície terrestre aqueceu 1,5 º Celsius durante os últimos 250 anos, por responsabilidade quase exclusiva dos seres humanos.

Guardian Environment Network ·
30 de julho de 2012 · 12 anos atrás
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O professor Richard Muller se considera um cético convertido após os resultados surpreendentes do estudo. (Foto: Dan Tuffs para o Guardian)
O professor Richard Muller se considera um cético convertido após os resultados surpreendentes do estudo. (Foto: Dan Tuffs para o Guardian)

Leo Hickman*

A temperatura da superfície da Terra se aqueceu 1,5 º Celsius ao longo dos últimos 250 anos e “os seres humanos são quase inteiramente a causa”, conclui um estudo científico feito para responder às preocupações dos céticos sobre as causas da mudança climática serem mesmo induzidas pelo homem.
O professor Richard Muller, físico e cético sobre a mudança climática, fundador do Projeto Berkeley de Temperatura da Superfície Terrestre, disse que ficou surpreso com as descobertas. “Nós não esperávamos esse resultado, mas como cientistas é nosso dever deixar a evidência mudar nossas mentes”. Ele acrescentou que agora se considera um “cético convertido” e suas opiniões foram submetidas a uma “reviravolta total” em um curto espaço de tempo.

“Nossos resultados mostram que a temperatura média da superfície terrestre aumentou 1,5o Celsius ao longo dos últimos 250 anos, incluindo um aumento de 0,9o Celsius ao longo dos últimos 50 anos. Além disso, parece provável que, essencialmente, todo esse aumento resulta da emissão humana de gases do efeito estufa”, escreveu Muller em um artigo publicado no New York Times.

A equipe de cientistas com base na Universidade da Califórnia em Berkeley reuniu e consolidou um conjunto de 14,4 milhões de observações de temperatura da superfície, coletadas em 44.455 locais em todo o mundo, datadas desde o ano de 1753. Conjuntos de dados anteriores criados pela Nasa e a NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), nos EUA, e pelo Met Office e o Departamento de Pesquisa Climática da Universidade de East Anglia, no Reino Unido, só chegavam até meados do século 19 e usavam apenas um quinto do número de registros de estações meteorológicas.

O financiamento para o projeto incluiu 150 mil dólares da Fundação Charles G. Koch, criada pelo magnata americano bilionário do carvão, que também é um dos principais financiadores do Instituto Heartland, um centro de estudos que reúne céticos. A pesquisa também recebeu 100 mil dólares do Fundo para Pesquisa Inovadora do Clima, criado por Bill Gates.

Ao contrário de esforços anteriores, os dados de temperatura de várias fontes não foram homogeneizados a mão — uma crítica-chave feita por céticos do clima. Em vez disso, a análise estatística foi “completamente automatizada para reduzir qualquer viés humano”. A equipe concluiu que, apesar de sua análise mais profunda, as suas próprias conclusões foram muito próximas das reconstruções de temperatura anteriores, “mas com menor incerteza”.

Em outubro passado, a equipe publicou os resultados que mostraram que a temperatura média da superfície do globo aumentou cerca de 1o Celsius desde meados dos anos 1950. Mas, até então, não havia procurado as causas que explicassem esse aquecimento. A mais recente análise de dados retroagiu muito mais longe no tempo. Seu ponto crucial foi também procurar as causas mais prováveis do aumento, contrastando a curva de subida da temperatura contra as forças mais suspeitas a tê-la causado. A análise envolveu variáveis como o impacto da atividade solar — uma teoria popular entre os céticos do clima –, mas descobriu que, ao longo dos últimos 250 anos, a contribuição do sol foi “coerente com um aumento zero”. As erupções vulcânicas foram consideradas causa para quedas breves dentro da tendência de aumento da temperatura no período 1750-1850, mas esse efeito teve “uma analogia tênue” no século 20.

“Para minha surpresa, de longe a melhor correspondência foi o histórico do dióxido de carbono atmosférico, medido a partir de amostras atmosféricas e de ar preso no gelo polar”, disse Muller. “Embora isso não prove que o aquecimento global é causado por gases de efeito estufa produzidos por humanos, esta é, atualmente, a melhor explicação que encontrei e define o padrão a ser batido por explicações alternativas.”

Muller disse que as descobertas de sua equipe foram mais longe e são mais fortes do que o último relatório publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU.

Em um movimento pouco convencional que procurou, através da “total transparência”, apaziguar os céticos do clima, os resultados foram publicamente divulgados antes da chamada revisão por pares (cientistas) a ser feita pelo Journal of Geophysical Research. Todos os dados e análises estão agora disponíveis no site do projeto para ser livremente escrutinados. Isso segue o padrão dos resultados anteriores do grupo, nenhum dos quais ainda foi publicado em periódicos científicos.

Quando o projeto foi anunciado no ano passado, Anthony Watts, blogueiro de destaque entre céticos do clima, foi consultado sobre a metodologia. Ele afirmou na época: “Eu estou preparado para aceitar qualquer resultado que eles produzirem, mesmo que isso prove errada a minha premissa”. No entanto, desde então, surgiram tensões entre Watts e Muller.

Os primeiros indícios sugerem ser improvável que os céticos do clima aceitem plenamente os últimos resultados do time de Muller. A professora Judith Curry, climatologista do Instituto de Tecnologia da Geórgia, que mantém um blog popular entre os céticos do clima e que é consultora da equipe que fez a pesquisa, disse ao Guardian que o método usado para atribuir o aquecimento às emissões humanas foi “sobremaneira simplista e nada convincente, na minha opinião”. Ela acrescentou: “Eu não acho que essa pergunta pode ser respondida pelo simples ajuste de curva utilizado neste trabalho, e não acho que este trabalho acrescenta qualquer coisa sobre a nossa compreensão das causas do aquecimento recente”.

O professor Michael Mann, paleoclimatologista da Penn State, é alvo da hostilidade dos céticos do clima por ter produzido o famoso gráfico em formato de taco de hóquei (“hockey stick”), que mostra o rápido aumento das temperaturas no século 20. Ele se disse satisfeito com os resultados, pois “demonstraram mais uma vez o que os cientistas já sabiam com algum grau de certeza por quase duas décadas”. E acrescentou: “Eu aplaudo Muller e seus colegas por atuar como quaisquer bons cientistas fariam, seguindo as suas análises até onde elas os levaram, sem levar em conta as possíveis repercussões políticas. Pelas suas conclusões, eles certamente serão atacados pelo grupo de negadores profissionais das mudanças do clima”.

Muller disse que a análise de sua equipe sugere que haverá um aquecimento de 1,5 graus na superfície terrestre nos próximos 50 anos. Entretanto, se a China continuar seu rápido crescimento econômico e amplo uso de carvão, então, o mesmo aquecimento pode ocorrer em menos de 20 anos.

“A ciência é o estreito reino do conhecimento que, em princípio, é universalmente aceito”, escreveu Muller. “Eu embarquei nesta análise para responder a perguntas que, a meu ver, não tinham sido satisfeitas. Eu espero que a análise de Berkeley da Terra ajude a decidir o debate científico sobre o aquecimento global e suas causas humanas. Depois vem a parte difícil: achar concordância em todo o espectro político e diplomático sobre o que pode e deve ser feito”.

*Publicado através da parceria de ((o))eco com a Guardian Environment Network (veja a versão original). Tradução de Eduardo Pegurier

 

 

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