Reportagens

Entre extrativista, predador vulnerável

Estudo realizado por analista ambiental do Instituto Chico Mendes indica que reservas extrativistas não protegem grandes felinos.

Vandré Fonseca ·
14 de fevereiro de 2011 · 13 anos atrás
Morador da reserva extrativista segura o crânio de uma onça (foto: Elildo Carvalho Júnior)
Morador da reserva extrativista segura o crânio de uma onça (foto: Elildo Carvalho Júnior)

As Reservas Extrativistas conseguem preservar diversas espécies de animais ou a cobertura vegetal, mantendo o estoque de carbono e contribuindo para manutenção do modo de vida de populações tradicionais. Mas elas não têm sido eficientes para preservar grandes felinos. A onça-pintada (Panthera onca) e a suçuarana (Puma concolor) são vítimas da caça mesmo dentro dos limites destas unidades de conservação.

Cobertura florestal da Resex (foto Elildo Carvalho Junior)
Cobertura florestal da Resex (foto Elildo Carvalho Junior)


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A conclusão é do biólogo Elildo Carvalho Júnior, que durante um ano investigou histórias de onças caçadas na Resex Tapajós-Arapuins, no Pará. “Esta reserva especificamente não está sendo suficiente para a conservação da onça-pintada e do puma. Na verdade, é um sumidouro, onde são abatidos animais que se multiplicam em outros lugares”, afirma. “Eu acredito que estes dados possam ser generalizados e sirvam também para outras reservas extrativistas”, completa.

Os resultados do estudo foram publicados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade em 2008 (Baixe Aqui) . No ano passado, um artigo foi publicado no periódico da Fauna & Flora e pode ser encontrar, aqui.

Com base nos estudos que realizou, ele calcula que pelo menos sete onças-pardas e 12 pintadas são mortas anualmente na reserva. A maior parte, vítima de encontros ocasionais com caçadores, provocados principalmente pela perseguição de cães. Um número menor de onças foi morto após atacar animais criados por moradores da reserva.

“Os encontros são freqüentes, mas não ocorrem todos os dias. É um ou dois por ano. E quando ocorrem são um acontecimento para a comunidade”, conta o pesquisador. As histórias são mantidas com certa reserva pelas comunidades, que temem represálias das autoridades, afinal matar uma onça é crime.

Mas Elildo conseguiu não só obter relatos confiáveis, mas provas de que as onças realmente tinham sido mortas, como crânios, dentes, fotografias e, em um caso, uma onça-parda que tinha sido abatida pouco tempo antes. Em 115 entrevistas, em 45 comunidades da Resex, ele ouviu relatos da morte de 54 onças (32 pintadas e 22 suçuaranas).

Fotos com crédito anônimo foram coletadas pelo pesquisador entre as comunidades.

No mato sem cachorro

Cada história contada foi investigada. “Como matar uma onça é um crime, a tendência sempre vai ser de omitir. Então, a priori, eu considerei que a pessoa falou a verdade, porque admitiu um crime”, explica Elildo. Dois casos foram deixados de lado, porque Elildo percebeu que se tratavam de bravatas dos caçadores. Mas na maioria dos “causos” existiam indícios de que os moradores contavam a verdade.

A Resex Tapajós-Arapiuns, criada em 1998, ocupa uma área de 647.610,74 hectares nos municípios de Santarém e Aveiros, no Pará. A unidade abriga uma população estimada de 15 mil pessoas, distribuídas em 70 comunidades. O aumento desta população (metade da população tem menos de 15 anos) é uma ameaça à preservação, porque aumenta a pressão sobre os recursos naturais da região. O fogo é outra ameaça. Em 1998, ano de El Niño, mais de mil quilômetros quadrados foram destruídos por incêndios, segundo Elildo Carvalho.

O pesquisador estima, com base na literatura, que por lá vivam cerca de 180 onças-pintadas e 120 pardas. Parece contraditório, mas os grandes felinos dependem das condições de preservação fora da Resex, já que dentro dos limites da Unidade de Conservação, onde deveriam estar protegidas, continuam a ser mortas.

Elildo Carvalho Júnior estimou também a taxa de mortalidade de onças na Resex, 6,5% da população de jaguares e de 5,8% entre as suçuaranas. Estes cálculos são conservadores e podem estar subestimados, segundo o pesquisador.

Mesmo na mata, não é fácil para o caçador se deparar com uma onça. Furtiva, ela não se deixa ser vista. Mas os cachorros conseguem detectá-las e as perseguem. “A presença dos cachorros aumenta a taxa de encontros. Havendo encontro, as onças sempre levam a pior”, explica Elildo Carvalho Júnior. Banir a caça com cães é uma das medidas sugeridas pelo pesquisador para reduzir a morte de grandes felinos.

E existe mais um motivo para tirar os cães das Resex. Além de aumentar o risco de encontro com felinos, eles afugentam outros animais, cuja caça é bem mais interessante para as comunidades, como porcos do mato e veados. Segundo o pesquisador, há pelo menos um caso em que os cachorros foram sacrificados, por espantarem animais, no Alto Juruá, no Acre.

Pesquisa independente

Outra medida sugerida é limitar a criação de animais, como porcos e bois. A tendência, segundo Elildo Carvalho, é de o rebanho crescer e, com isto, os ataques se tornarem mais comuns. “A criação de gado numa Resex é proibida, mas há quem crie e esteja se dando bem com isto”, conta o analista ambiental do Instituto Chico Mendes.

Bem antes de realizar os estudos, o analista ambiental já imaginava haver grande mortalidade de onças em reservas extrativistas, mas ainda buscava uma forma de quantificar estas mortes. Dois artigos inspiraram os estudos: um relatório sobre onças mortas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, no Amazonas, e um artigo que comentava de passagem a morte de onças no Mato Grosso.

“Todo mundo diz que uma Resex está preservando a fauna, mas isto é verdade só para algumas espécies como o catitu”, observa o analista ambiental do ICMBio. A pesquisa foi realizada entre 2007 e 2008, quando o biólogo participou da elaboração do Plano de Manejo da Resex. “Eu passei um ano viajando às comunidades. Dormia, comia com as pessoas de lá. Andava no mato com elas. Eu não tinha recursos para esta pesquisa, mas resolvi apostar na oportunidade”, recorda.

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