Reportagens

Uma montanha que vale a pena

Neste feriadão, o destino de muitos turistas será o Parque Nacional do Caparaó, na divisa de Minas com Espírito Santo. Mas lá a aventura só vale com planejamento e segurança.

Andreia Fanzeres ·
1 de setembro de 2006 · 18 anos atrás

Estive quatro vezes no Parque Nacional do Caparaó, na divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo. Todas em viagens muito diferentes, mas sempre na companhia do meu pai e da minha irmã cinco anos mais nova. Além de conhecer algumas cachoeiras e balneários da região, o objetivo de todas as investidas era subir o Pico da Bandeira. Começou como uma curiosidade. Terminou em vício. Por três vezes conseguimos. Em uma, ficamos perdidos no meio do caminho. Uma trilha conhecida, de vegetação rasteira e sinalizada com pinturas amarelas nas pedras transformou-se em um perigoso labirinto numa madrugada escura e com tanta nuvem que, em certo ponto, não se enxergava cinco metros à frente. Tudo isso a mais de 2.400 metros de altitude num feriado de sete de setembro.

Diante da impossibilidade da volta e dos riscos de caminhar próximo a abismos às cegas, optamos por parar e esperar o dia amanhecer. Uma pena. Queríamos fazer isso do alto dos 2.980 metros do Pico da Bandeira. Foram as horas mais longas da minha vida, todos juntinhos, querendo se aquecer (foto acima). Quando o dia começou a clarear, o frio intenso diminuiu, mas as nuvens ainda não permitiam encontrar a trilha. Quem salvou a pátria foi o celular e o fato de, nele, estar gravado o número do telefone da portaria do parque. Vantagens da altitude: havia sinal. Depois de descrever o ambiente no entorno, fomos orientados pelos vigias e encontramos a trilha. Mas aí, dúvida cruel. Após horas ao relento e no frio seguiríamos durante o dia até o pico? Os desgastes físico e psicológico pesaram mais e demos meia volta, um pouco frustrados. Na portaria, soubemos, minutos depois, que os grupos que haviam prosseguido enfrentaram chuva de granizo no alto da montanha.

Situações como essa, embora não sejam muito freqüentes, podem traumatizar visitantes de primeira viagem. Colocam na cabeça que nunca mais retornarão, até serem convencidos do contrário. No nosso caso, só serviu para agendar o próximo desafio no Caparaó. Antes disso, já havia atingido o Pico da Bandeira durante o dia, sem grandes dificuldades. O pretexto para a viagem seguinte seria, claro, conseguir caminhar durante a noite para, lá de cima, ver finalmente o sol nascer.

Meses depois, estávamos de volta, no feriado da Páscoa. E o melhor, em noite de lua cheia. A luz era tanta que as lanternas permaneceram desligadas a partir da área de camping Terreirão, onde montamos as barracas a 2.300 metros de altitude. Daquele ponto até o pico, a caminhada é de 4,5 quilômetros, passando por trechos íngremes, platôs, pedras e, nos momentos finais, cansativos degraus na montanha. Lá em cima, é preciso abrigo até o sol nascer – além, é claro, de comida para repor as energias. Saco de dormir e cobertores foram fundamentais. Na época, eu usei também um isolante térmico aluminizado para não trocar calor com a pedra gelada, onde estava sentada. Enrolei-me naquilo e ainda fui chamada de ovo de páscoa. A zero grau e quase três mil metros, só restava rir de mim mesma.

A trilha

Imagens como o nascer do sol observado do Pico da Bandeira ficam para sempre na memória. Reza a lenda que, nos dias mais claros e com boa visibilidade é possível avistar o litoral do Espírito Santo. É por isso que o passeio, de madrugada, é o programa mais procurado de quem chega em Alto Caparaó, cidade mais próxima da portaria do lado mineiro do parque. A partir da Tronqueira (1.970 m), a primeira área de camping e local de estacionamento de automóveis no parque, são nove quilômetros até o Pico da Bandeira. Apesar de longa e de ter algumas elevações, a trilha não é considerada pesada. Até os primeiros 4,5 quilômetros acompanha o leito do rio José Pedro. Na metade do caminho surge a segunda área de campistas, o Terreirão (foto), com posto de fiscalização, banheiros com água quente e abrigos de pedra. A partir daí aparecem mais trechos íngremes. Mas nada que não seja transposto com calma e paradas para hidratação e alimentação.

Só é preciso cuidado e cabeça fria para avaliar quando um passeio aparentemente simples começa a ficar perigoso demais para prosseguir. E, em alta montanha, essas avaliações precisam ser feitas em todos os momentos. Os funcionários do parque orientam os visitantes sobre risco de chuva e nuvens. Fazem ainda vistoria nos carros e nas barracas dos campistas em busca de artefatos que possam causar fogo e bebidas alcoólicas, que enganam o organismo com uma falsa sensação de que ele está aquecido.

Chegar lá em cima ao meio dia também é excelente. Não espere calor, mas um frio ameno, no máximo. Com o céu claro, o leito do José Pedro é encantador. Aliás, não é à toa que, bem próximo à Tronqueira um trecho próprio para banho neste rio é conhecido como Vale Encantado. E conforme o Pico da Bandeira se aproxima, dá para apreciar a beleza de outras das maiores montanhas do Brasil, como o Pico do Cristal (2.789m) (foto) e o Calçado (2.766m). Aquele é o tipo de lugar que, faça nuvem ou faça sol, as paisagens permanecem deslumbrantes. Mas se chover, caia fora. O risco de raios é uma ameaça a você, que está a mais de dois mil metros acima do nível do mar, e, em boa parte do trajeto, é o objeto mais alto do ambiente.

Em situações mais tranqüilas, experimente, no meio do caminho, distanciar-se um pouco do seu grupo, parar e permanecer quieto por alguns segundos. O primeiro trecho da trilha para o Pico da Bandeira foi o único lugar em que eu consegui, de fato, ouvir o silêncio. Foi ensurdecedor escutar apenas a própria respiração.

Cada um que vai para lá está em busca de uma experiência como essa. Ou que apenas num ambiente daqueles será possível. Especialmente no feriado de sete de setembro, o local é destino certo de uma turma que, podendo, sobe a montanha para celebrar a data, mesmo sem a famosa bandeira que, a partir de 1859 deu nome ao pico. Por causa da altitude e da incidência de raios no verão, é certo que um objeto hasteado a quase três mil metros acima do nível do mar não iria durar muito. Hoje uma instalação em forma de Cristo simboliza a terceira mais alta montanha do Brasil. E alguns turistas se encarregam de levar suas próprias bandeiras.

Exemplo de parque

Embora o tempo faça toda diferença, a trilha para o Pico da Bandeira não precisa ser feita por pessoas experientes. Basta ter algum preparo físico, carregar água, comida, estar agasalhado e usar botas ou tênis próprios para caminhada (e, claro, lanterna, se for caminhar de noite). Mas não adianta chegar à portaria do parque com tudo pronto esperando acampar sem ter feito reserva com antecedência.

Estevão Fonseca, chefe do Parque Nacional do Caparaó desde 1997, informa que são permitidas 100 pessoas na Tronqueira, 150 no Terreirão, 100 na Macieira e 120 campistas na área da Casa Queimada (as duas últimas na parte capixaba do parque). “Trabalhamos com sistema de reserva porque não é viável ecologicamente abrigar um número excessivo de turistas”, explica Fonseca. Segundo ele, o parque recebe 35 mil visitantes anualmente e, cada vez mais, eles estão sendo incentivados a procurar a unidade de conservação não só na temporada de montanha, no inverno, para que ao longo do ano inteiro o parque tenha um movimento equilibrado.

O Parque Nacional do Caparaó foi criado em 1961 e, 20 anos depois, teve seu primeiro plano de manejo. De lá para cá, a administração da unidade preparou uma série de estudos que elevaram o parque à condição de única área protegida do país com certificado de gestão de excelência, concedido pelo Ministério da Fazenda. O Caparaó, em 1995, fez seu plano de ação emergencial. No ano seguinte, realizou um estudo de viabilidade para implantação de acesso pelo Espírito Santo. Em 1997 concluiu um levantamento sócio-econômico das comunidades do entorno. Em 2001, elaborou plano de uso público da unidade e, finalmente em 2005, começou a revisar o plano de manejo.

Para Fonseca, o segredo é capacitação. Com recursos de uma cooperação entre Brasil e Alemanha, a unidade teve condições de implementar a fiscalização, o setor de contabilidade, de educação ambiental, de combate a incêndios florestais e outros. O chefe do parque orgulha-se ao lembrar que o último grande incêndio que atingiu o Caparaó aconteceu há 12 anos, consumindo sete mil hectares. Com o reconhecimento de cerca de 70% das comunidades do entorno, o parque ajudou a promover mais de dois mil cursos para impulsionar a produção de artesanatos e organizar associações, promovendo renda indireta a quem está no entorno – exatamente como prevê o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc).

Hoje ele é gerido por uma equipe do Ibama composta por 13 pessoas, além de 21 brigadistas, que ficam a postos para qualquer indício de fogo durante o segundo semestre do ano. Tem ainda seis vigilantes e 10 funcionários realizam os serviços de manutenção e limpeza das instalações. As áreas de camping têm banheiros de água quente com energia de placas solares, tanques para lavar roupa, fossas sépticas, abrigos para visitantes e casa para os funcionários do parque. “Já construímos na Tronqueira infra-estrutura para um ambulatório. E queremos dispor de enfermeiros para aferir pressão e prestar os primeiros socorros, quando preciso”, diz Fonseca.

O Pico da Bandeira é a principal, mas apenas uma das atrações do Parque do Caparaó, que tem outras trilhas para as demais montanhas, cachoeiras como a Bonita, do Aurélio, da Farofa, além do Vale Verde e do Vale Encantado.

Os telefones para reservas do Parque Nacional do Caparaó são (32) 3747-2555 ou 3747-2565. Mais informações sobre atrativos naturais e acesso à unidade de conservação podem ser obtidas no site oficial do parque.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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