Reportagens

Serial killers de araucárias

Fiscais gaúchos e catarinenses divergem sobre licença ambiental para derrubar floresta centenária onde será erguida mais uma usina hidrelétrica: a de Pai Querê.

Renan Antunes de Oliveira ·
9 de setembro de 2005 · 20 anos atrás

Está em andamento a lenta, gradual e agora discreta derrubada de araucárias nativas na Bacia do Rio Uruguai. A batalha contra o verde foi iniciada com estrondo no episódio da fraude dos laudos ambientais para erguer a usina de Barra Grande, seguiu seu curso na de Campos Novos e tudo indica que vai continuar no aproveitamento de Pai Querê, no rio Pelotas, na divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

A derrubada da espécie que por lei deveria ser protegida parece inevitável porque existem grandes concentrações dela no meio do caminho de Pai Querê. Um estudo independente realizado em agosto pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) encontrou araucárias centenárias no pedaço. Desta vez as empresas construtoras não poderão alegar, como aconteceu em Barra Grande, falha no estudo de impacto ambiental. Nem, como no caso de Campos Novos, que o número de araucárias é insignificante. Pai Querê foi concedida em janeiro pelo governo ao consórcio das empresas Votorantim, nacional, e Alcoa, americana, já consorciadas para explorar Barra Grande. Ela é menos conhecida do que suas irmãs maiores porque ainda não saiu do papel. Sua promessa é gerar 292 MW e dar emprego para quase 5 mil pessoas.

Por enquanto, tudo o que criou foi um incidente burocrático entre dois dos órgãos encarregados do licenciamento ambiental para seu funcionamento. A catarinense Fatma e a gaúcha Fepam dividem a resposabilidade na área. A Fatma diz que do seu lado do rio Pelotas está ok passar a motosserra na Mata Atlântica e suas araucárias, enquanto a Fepam ainda resiste.

O Ibama, que deverá dar a palavra final, aguarda um parecer do Ministério das Minas e Energia – cujo teor não se precisa ser gênio para antecipar, considerando que o governo já concedeu o direito de exploração do aproveitamento às empresas.

Enquanto os cachorros grandes brigam, foi um grupo de “vira-latas” que produziu o estudo alternativo do impacto ambiental de Pai Querê. Professores e estudantes do Departamento de Biologia da UFRGS investigaram a área no final de agosto, por conta própria. Eles encontraram as centenárias araucárias nativas na rota da possível inundação.

O achado é simbólico porque a floresta de araucárias é um ecossistema em extinção protegido por lei. Sua derrubada é crime ambiental. Tudo foi registrado em fotos, embora isso não seja suficiente para deter o caminho do progresso, como se viu nos casos anteriores.

Na semana passada, os resultados da expedição foram apresentados no II Encontro do Impacto das Hidrelétricas, realizado na Faculdade de Direito da federal gaúcha. Este fórum de discussão da sociedade foi ignorado pelas empresas e pelo governo. Seus resultados são apenas um líbelo e uma advertência.

Segundo o biólogo e professor Paulo Brack, chefe da expedição a Pai Querê, “a perda de micro-habitats específicos significa o aniquilamento de determinadas espécies, araucárias de mais de 100 anos serão extintas e as águas dos rios Uruguai e Pelotas estarão danificadas, numa viagem sem volta”.

Brack vai fundo na questão social e no modelo energético adotado pelo governo. “A estratégia do governo federal é a de assegurar que nos próximos anos não haja racionamento, montando uma infra-estrutura tradicional. Mas ela não condiz com a necessidade de fontes alternativas de energia”.

Segundo Vicente Medaglia, do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais, “o preço pago por essas hidrelétricas [o conjunto de 20 aproveitamentos possíveis na bacia do rio Uruguai] pela sociedade é altíssimo, já que elas estão acabando com os últimos remanescentes de Mata Atlântica do Rio Grande do Sul”.

Pai Querê é portanto apenas a bola da vez no jogo entre o crescimento econômico e a preservação do meio ambiente. A floresta na sua área de influência pode escapar da motosserra por enquanto, como escapou da exploração humana por décadas, mas apenas porque está nas encostas escarpadas. Defesa insuficiente quando as águas subirem.

* Colaboraram Bernardo Caprara e Raquel Braun, estudantes de Jornalismo que participaram da expedição da UFRGS coordenada pelo professor Paulo Brack.

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