Reportagens

O último suspiro

MMA solta nota oficial que ao mesmo tempo critica o projeto de Lei de Biossegurança aprovado na Câmara e admite que não tem mais nada a fazer sobre o assunto.

Carolina Mourão ·
4 de março de 2005 · 19 anos atrás

O golpe foi duro e concretizou o pior pesadelo de Marina Silva depois que assumiu o Ministério do Meio Ambiente. No final da tarde desta quinta-feira o ministério acenou o lenço da derrota sobre o projeto de Biossegurança com uma nota oficial. O texto afirma que o projeto, nos artigos referentes aos transgênicos, “relega os órgãos públicos” ao conferir a CTNBio “poderes exclusivos e vinculantes na liberação da produção comercial de organismos geneticamente modificados”. Considerada precipitada por muitos, a nota soou como suspiro final de uma guerra perdida há muito tempo para o ministro Roberto Rodrigues, da agricultura.


A ministra poderia tentar o último apelo, pedindo o veto do presidente Lula aos artigos que tratam dos transgênicos, durante os dias em que a matéria será examinada na Casa Civil antes da sanção. Mas nem o Ministério do Meio Ambiente, nem o Planalto, demonstraram algum movimento neste sentido. Até porque, se Marina insistir no assunto e não conseguir sensibilizar Lula, acabarea sem alternativa a não ser o pedido de demissão.


O regimento interno da Câmara determina que o prazo para que o projeto aprovado seja encaminhado para a Casa Civil é de duas sessões ordinárias seguintes no plenário da Casa. Portanto, até o fim desta sexta-feira, o projeto deve chegar à Casa Civil da Presidência da República. Lá fica por até 15 dias, para que sejam examinados os princípios de legalidade e constitucionalidade dos artigos. Só depois vai a sanção presidencial.


A superintendente de conservação da WWF, Rosa Sá não acredita no veto, mas encontrou a solução alternativa depois da derrota: “ O presidente ainda pode incluir no texto o Princípio da Precaução, dispositivo utilizado em pesquisas médicas, feitas sob a luz da lei, onde só se libera o produto depois de muitos testes”, diz ela. Sonho puro. O presidente não tem poder de legislar, portanto não pode incluir nada em texto de lei aprovado pelo Congresso Nacional. Teria que fazer uma nova lei ou introduzir o princípio cautelar na regulamentação da lei. Mesmo assim, estaria obrigado a obedecer ao texto da lei original, que dá poder hegemônico da CTNBio.


Contando com a participação da sociedade, o Greenpeace acredita que é possível exigir de Lula o veto aos artigos do projeto que tratam dos transgênicos. Gabriela Couto, integrante da Campanha de Engenharia Genética da ONG, disse que a sociedade civil já ameaça um boicote aos produtos e derivados de transgênicos. “Temos de tentar o veto com este argumento. Se não der, vamos continuar a ação do boicote de forma sistemática e continuada. Oitenta por cento dos brasileiros não queriam os transgênicos liberados, segundo pesquisas, e estão dispostos a reagir.”


É neste cenário que a sociedade acompanha o momento mais doloroso do calvário de Marina Silva, desde que assumiu a cadeira do ministério. Uma espécie alívio de uma grande pressão e uma contagem regressiva fatal, que ainda vai durar por esses dias antes da sanção. Cansada demais para cumprir os últimos metros para a linha de chegada, Marina se entrega, sabendo que esta briga tinha outro vencedor há muito tempo.


” Ciente da plena competência constitucional do Congresso Nacional de aprovar democraticamente as normas legais que regem o País, o Ministério do Meio Ambiente sente-se na obrigação de apontar à sociedade brasileira os potenciais riscos ambientais envolvidos no projeto de lei aprovado”, diz a nota da ministra.

Leia também

Salada Verde
19 de abril de 2024

ICMBio abre consulta pública para criação de refúgio para sauim-de-coleira

Criação da unidade de conservação próxima a Manaus é considerada fundamental para assegurar o futuro da espécie, que vive apenas numa pequena porção do Amazonas

Notícias
19 de abril de 2024

Mais de 200 pistas de pouso são registradas dentro de Terras Indígenas na Amazônia

Maioria está próxima a áreas de garimpo, mostra MapBiomas. 77% da atividade garimpeira ilegal na floresta tropical está a menos de 500 metros da água

Reportagens
18 de abril de 2024

A nova distribuição da vida marinha no Atlântico ocidental

Estudo de porte inédito pode melhorar políticas e ações para conservar a biodiversidade, inclusive na foz do Rio Amazonas

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.