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Tartarugas escapam de virar banquete de Natal

Operação salvou 362 animais, uma das maiores apreensões no Baixo Rio Branco. Tartarugas são iguarias nos festejos natalinos amazônicos.

Vandré Fonseca ·
14 de novembro de 2012 · 11 anos atrás

Para impedir a fuga, tartarugas são colocadas de barriga para cima pelos traficantes e morrem sufocadas. Clique nas fotos abaixo para ampliar. Fotos: Divulgação Ibama
Para impedir a fuga, tartarugas são colocadas de barriga para cima pelos traficantes e morrem sufocadas. Clique nas fotos abaixo para ampliar. Fotos: Divulgação Ibama

Manaus, AM – Uma operação conjunta do ICMBio, Ibama e Polícia Federal resultou na maior apreensão de quelônios adultos na Amazônia desde 2005. Durante dez dias de ações, foram encontrados 378 quelônios, entre tartarugas-da-amazônia (Podocnemis expansa) e tracajás (Podocnemis unifilis), que haviam sido capturados ilegalmente por caçadores. A Operação Tabuleiro é realizada entre a vila de Santa Maria do Boiaçu e a cidade de Caracaraí, no Baixo Rio Branco, Sul de Roraima. Ela começou no dia 29 de outubro e deve durar até dezembro.

Entre as tartarugas encontradas, 115 tinham mais de 50 centímetros de comprimento. A tartaruga-da-amazônia é o maior quelônio da região. A fêmea, que é um pouco maior do que o macho, pode passar de 1 metro de comprimento e pesar 90 quilos. O tracajá é menor e mede pouco menos de 50 centímetros e pesa cerca de 10 quilos.

Os animais estavam em currais, áreas onde são deixados pelos caçadores até o momento de embarcá-los e levá-los até a cidade de Caracaraí (RR) ou ao estado do Amazonas. Dezesseis tartarugas morreram durante a captura ilegal ou em decorrência dos maus-tratos sofridos. As demais 362 tartarugas foram soltas perto de onde tinham sido encontradas.

“Elas aguentam ficar entre duas ou três horas submersas, mas permanecem mais tempo do que isso quando estão presas nas redes e morrem afogadas”, conta o analista ambiental do Ibama, Diego Milléo Bueno. “As maiores, como ficam colocadas de costas para não fugir, sofrem desidratação e pressão dos órgãos sobre o pulmão. Elas são asfixiadas”.

Quatro pessoas foram detidas pela Polícia Federal. Os suspeitos foram interrogados e assinaram um Termo Circunstancial de Ocorrência (TCO). Além disso, foram encontradas armadilhas, conhecidas como caça sacos, redes feitas com cordas e malhas grossas que ficam no leito do rio. Elas podem medir até 400 metros e além de tartarugas, podem pegar também outros animais grandes, como botos e peixes-boi.

A maior apreensão de quelônios na região foi registrada em 2005, quando 680 animais foram encontrados com traficantes na região Sororoca. No final do ano passado, também no Baixo Rio Branco, foram apreendidas 327 tartarugas. Seis pessoas foram presas durante uma operação semelhante a que ocorre atualmente.

Não é por acaso que estas grandes apreensões ocorrem no final do ano. É nesta época que se formam grandes praias no Rio Branco, devido a descida no nível do rio. Estes tabuleiros de areia branca são usados pelas tartarugas para desovar. Cada fêmea pode botar até 150 ovos, que são enterrados na areia e começam a eclodir em fevereiro.

Esta abundância é aproveitada por ribeirinhos e traficantes de animais. Tartaruga é um prato típico no natal e festas de fim de ano para os amazônidas. Por isso, a fiscalização na região vai continuar até 23 de dezembro.

Recursos da Unidade de Conservação

Devido á falta de um orçamento próprio para a proteção do berçário de quelônios em Roraima, a fiscalização do Baixo Rio Branco é realizada graças ao apoio do Parque Nacional do Viruá, que também fica no Baixo Rio Branco, e recebeu recursos do projeto Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa). Até as diárias dos agentes ambientais, que eram contratados entre os ribeirinhos para vigiar as praias de desova, já chegaram a ser pagas pelo Parque do Viruá.

Não é que sobrem recursos. O problema é a necessidade de proteger os animais e os impactos da caça ilegal que podem atravessar os limites do Viruá. “Estas tartarugas estão subindo e chegam também ao parque”, explica Antônio Lisboa.

O Baixo Rio Branco é uma das principais áreas de reprodução da tartaruga-da-amazônia. O nascimento de mais de 700 mil filhotes em um único ano já foi registrado na região. “Na década de oitenta, dizem os moradores, barcos precisavam desviar das tartarugas. Hoje os avistamentos são menos frequentes”, conta Lisboa.

Mas a partir da década de 90, o projeto que protegia a desova das tartarugas começou a definhar por falta de recursos. Em 2006, outro grande trauma: o agente ambiental José Santos Cruz foi morto a tiros por contrabandistas de tartarugas. A partir daí, continuaram as ações de fiscalização, mas cessou o monitoramento e proteção dos ovos.

Mesmo com dificuldades, as ações contra os traficantes tem sido bem-sucedidas, com grandes apreensões. Lisboa credita o sucesso das operações a três fatores. O principal, de acordo com ele, é o uso de recursos próprios como embarcações, que reduzem o custo das ações e permitem maior sigilo. Além disso, os fiscais agem à noite, quando os tartarugueiros estão buscando os animais capturados, e também evitam lanternas e barulho dos motores.

Lisboa acredita em uma solução para a falta de vigilância sobre o Rio Branco. Ele propõe as seguintes medidas: instalação de uma base flutuante na Foz do Rio Branco, divisa com Amazonas, integração das ações entre autoridades do Amazonas e Roraima e contratação de guardas parques. Parece simples, mas não é.

“Estive em um encontro internacional em 2010, onde encontrei administradores de parques dos Estados Unidos e África, onde eles contam com até 600 guardas para uma unidade de conservação”, conta Lisboa. “Aqui não existe guarda parque”, lamenta.

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